Por Julliana Brito
Pierre Lucena é presidente do Porto Digital, referência em inovação do Brasil. É professor de Finanças da Universidade Federal de Pernambuco desde 1996, doutor em Administração pela PUC-Rio, e tem sólida trajetória como educador e gestor, com passagens marcantes no setor de educação, comunicação, tecnologia e inovação.
Qual sua formação?
Minha vida profissional sempre esteve ligada à UFPE. Lá, fiz minha graduação em Administração, mestrado em Economia e doutorado em Administração pela PUC-Rio. Desde 2018, sou Presidente do Porto Digital, mas também passei por experiências importantes, como Reitor da UNIFG, vice-Presidente do Diário de Pernambuco e secretário-adjunto de Educação do Estado.
O que significa 'incubação de empresas'?
Incubação é o processo de apoio a empresas nascentes, oferecendo infraestrutura, suporte em gestão, acesso a investidores e mentorias. No Porto Digital, as empresas incubadas recebem todo o suporte para acelerar seu crescimento sustentável.
O que o Porto Digital faz?
O Porto Digital é um distrito de inovação criado com dois objetivos principais: revitalizar o tecido urbano central do Recife e se tornar um polo de negócios. Atuamos principalmente com software, incorporando tecnologia às mais diversas áreas e desenvolvendo plataformas, em um ambiente altamente colaborativo. Começamos, em 2000, com duas empresas e 50 colaboradores. Hoje, contamos com 475 empresas, com 21,5 mil funcionários.
Como surgiu o convite para assumir o Porto?
Silvio Meira me convidou em 2018, em um momento crucial para o Porto Digital de expansão e consolidação. Naquela fase, enfrentávamos um desafio claro: a formação de capital humano qualificado em escala. Esse é o alicerce tanto para atrair grandes empresas quanto para fomentar novos negócios. Hoje, esse desafio se intensificou, pois o empreendedorismo tecnológico no Brasil está sendo transformado e intensificando a complexidade do setor.
Como enxerga a inovação no estado?
Não é apenas algo promissor, mas fundamental. Com a reforma tributária, acredito que veremos uma maior concentração industrial em São Paulo, devido à sua infraestrutura, e em Manaus, devido aos benefícios fiscais. Nesse cenário, é crucial que apostemos em serviços de valor agregado, como tecnologia, saúde.. Pernambuco precisa investir no potencial da população e investir na economia do conhecimento.
Como é seu convívio com os filhos?
Eu aprendo todos os dias com Maria e Dudu, e não sei o que seria de mim sem eles. Nossa relação é muito próxima, e acredito que ser pai um pouco mais tarde me fez valorizar ainda mais esse vínculo. Conciliar a rotina de executivo com a de pai tem sido desafiador, mas com o tempo, acredito que vai ficando mais fácil.
Como é a relação deles com a tecnologia?
Hoje, um dos maiores desafios é equilibrar o uso das novas tecnologias e a exposição das crianças às telas. É difícil encontrar o ponto certo entre aproveitar as vantagens da tecnologia e garantir que eles tenham tempo para experiências fora das telas, para brincar e se conectar com o mundo real. Mas por trabalhar com tecnologia, tenho a obrigação de encontrar um meio termo nesta relação.
Qual sua visão a longo prazo sobre a inovação e as tecnologias?
A inovação está cada vez mais integrada ao cotidiano. A chegada da Inteligência Artificial (IA) está prestes a transformar radicalmente a vida das pessoas, especialmente o mercado de trabalho. O que conhecemos como padrão hoje está em transformação, com processos mecânicos sendo substituídos por IA, alterando a natureza do trabalho de maneira fundamental – e isso é só o começo.
Como foi sua experiência na área da comunicação?
Apesar de curta, foi uma experiência incrível. Fui para o Diario por convite de Alexandre Rands, que era o sócio do jornal, e só levo coisas boas, como os muitos amigos que fiz. Tive a oportunidade de criar e coordenar um projeto inovador chamado 'Diario nos Bairros', no qual produzíamos um jornal voltado para o local e distribuímos milhares de exemplares nas ruas.
O Porto Digital tem vagas e faltam funcionários qualificados?
O problema de capital humano é global, com exceção de alguns países que possuem fortes estruturas de formação, como China, EUA e Índia. No Brasil, formamos apenas 29 mil pessoas por ano em cursos presenciais de tecnologia, enquanto a necessidade seria de cerca de 80 mil. No Recife, somos disparados a capital com mais alunos per capita em tecnologia e temos a maior quantidade de Ph.D.s em ciência da computação do Brasil. A UFPE teve um papel fundamental nesse processo e o programa Embarque Digital ajudou a ampliar ainda mais o número de formados.
Qual o maior desafio de presidir o Porto?
Além da complexidade do setor, que está em constante transformação, há também o desafio de equilibrar as diversas forças políticas que influenciam essa política pública. Acredito que o maior avanço foi ter atraído e formado uma equipe de gestão inovadora, composta por pessoas jovens e alinhadas com nosso propósito. Posso dizer com confiança que o Porto Digital é o melhor lugar para se trabalhar, pois aprendo algo novo todos os dias.
Como enxergar a inteligência artificial ?
A única certeza é que a produtividade aumentará de forma impressionante, e as pessoas precisam se preparar para isso, mesmo que inicialmente seja apenas de maneira conceitual. Grande parte do trabalho de média complexidade será automatizado, e quem não souber trabalhar com IA será deslocado para funções que vendem tempo, ao invés de soluções. O Brasil, por seu tamanho e potencial, precisa se afirmar nesse cenário.
Como se sente com sua atuação como professor da UFPE?
Tudo o que construí na minha vida devo à UFPE. Lá fiz minha graduação e mestrado, e foi também onde tive a oportunidade de fazer o doutorado fora de Pernambuco. Comecei muito jovem como professor e nunca sairei da UFPE, pois tenho muito orgulho em ser professor. No entanto, tenho me preocupado bastante com o futuro da universidade. A chegada da Inteligência Artificial está impondo uma mudança ainda mais profunda, e temo que a universidade fique paralisada diante dessa revolução. Em algumas áreas, como as ciências humanas e engenharias, o esvaziamento já é visível, e não consigo ver um caminho claro para reverter esse processo.
Como funciona o REC'n'Play?
É um festival de inovação, unindo tecnologia, economia criativa e cultura. Posso afirmar que é o melhor evento de inovação que já participei. Ele reúne pessoas de todas as partes, no coração da cidade, para discutir e explorar o futuro da inovação, democratizando o acesso e permitindo que todos participem dessa troca de ideias. Isso é o Recife. A próxima edição do REC'n'Play acontecerá de 15 a 18 de outubro deste ano. Em breve, divulgaremos mais detalhes e novidades sobre o evento.
Como é a incubação de startups e o comando das empresas?
É realizada por meio de diversos programas, que estão em reformulação e serão apresentados nos próximos meses. Uma boa analogia é compará-lo a um shopping: as empresas são as lojas, e o núcleo de gestão do Porto Digital é a administração do shopping. Ou seja, cada empresa tem sua autonomia, mas o Porto Digital está ali para apoiar o crescimento, desenvolvimento e instalação dessas empresas.
Existe algum projeto de expansão?
Estamos investindo fortemente na expansão do Porto Digital. Hoje, além do Recife, estamos presentes com hubs em Caruaru, Goiás e Aveiro, além de programas educacionais em Aracaju e Brasília. A Governadora Raquel Lyra solicitou e está apoiando a criação de três novos pontos no interior do Estado. Um deles será um hub de grande impacto, semelhante ao de Caruaru, mas deixarei para ela fazer o anúncio.
Tem parcerias de ajuda à Comunidade do Pilar?
O maior programa de parceria é o Pilar Universitário, onde o Porto Digital e o SENAC pagam 100% das mensalidades de moradores da comunidade que desejam cursar uma graduação ou técnica na instituição, além de cursos técnicos de saúde na Escola do Hospital Português. Os moradores podem escolher qualquer curso, seja Gastronomia, Tecnologia, Estética, Administração ou outros. Esse é um projeto estruturante, que visa abrir portas para o futuro dos moradores, proporcionando acesso à educação de qualidade e ampliando suas oportunidades no mercado de trabalho.
O que é o “Pilar Conectado”?
É um programa criado em 2020 durante a pandemia, que oferece internet gratuita e de alta velocidade para os moradores da comunidade. Estamos planejando melhorias no programa, para tornar a conexão ainda mais rápida e estável. Além disso, temos uma creche no bairro do Recife, que atende prioritariamente as mães do Porto Digital e da comunidade do Pilar. Um objetivo que queremos alcançar ainda este ano é começar a gerar empregos na região.
Como é a parceria com a Prefeitura para fazer cursos?
Tem sido fundamental para os programas de tecnologia. Em 2019, lançamos cursos em colaboração com universidades parceiras, como a UNICAP, UNIT e SENAC, para melhorar a estrutura curricular e oferecer uma residência dentro do Porto Digital, Em 2020, durante a eleição para prefeito, apresentamos esses programas e o então candidato João Campos propôs um programa de bolsas chamado Embarque Digital, que começou a ser implementado logo após sua vitória, em 2021.
Como está o Porto Digital de Aveiro, em Portugal?
Um sucesso. Atualmente, 29 empresas estão participando ou instaladas lá. Sabemos que é um processo de longo prazo, com um ritmo diferente entre o Brasil e Portugal, mas estamos comprometidos em garantir o sucesso desse projeto.
Explica a parceria com a Fundaj no Cinema do Recife Antigo.
É uma parceria simples: cedemos o cinema e a Fundaj administra o seu funcionamento. Essa parceria foi benéfica não só para o Porto Digital, mas também para a cidade do Recife como um todo. O cinema vai passar por uma requalificação nos próximos dois meses.
RAIO X
- Time: Santa Cruz.
- Camisa favorita: Básica.
- Restaurante: Quina do Futuro.
- Filme: “Um Sonho de Liberdade.”
- Música: “Da Lama ao Caos”, de Nação Zumbi.
- Cantor e cantora: Lenine e Lauryn Hill.
- Livro: “A Menina sem Estrela”, de Nelson Rodrigues.
- Lugar bonito: Fernando de Noronha.
- Hobby: Ir ao Arruda torcer pelo Santa Cruz.