COMPORTAMENTO

Por que amamos reassistir as mesmas séries? Psicóloga explica significado por trás da prática

A exposição a conteúdos rápidos e repetitivos pode ser bem mais impactante do que imaginamos. O que será que há por trás de um hábito tão simples?

Cadastrado por

Laura Martiniano

Publicado em 20/06/2025 às 15:29
A sensação de conforto e previsibilidade, a ansiedade e o prazer imediato são alguns dos motivos que nos fazem assistir sempre aos mesmos programas - Pexels

Você já se pegou retomando para seu filme favorito ou para aquela sua série de conforto uma, duas, três, diversas vezes? Talvez as particularidades por trás desse fenômeno sejam mais complexas do que você imagina, mas muito comuns.

Claro, a ideia de começar coisas novas também pode ser bastante animadora, inicialmente. Mas, às vezes, quando pensamos duas vezes, podemos nos perguntar se realmente vale a pena dedicar tempo a uma novidade, que ainda não sabemos se vamos gostar ou não. Será que não é melhor recorrer a algo mais certeiro, que já temos certeza quais sensações vai nos provocar?

Para a psicóloga Giedra Marinho, professora da Universidade Tiradentes (Unit), uma série de fatores pode explicar a preferência por conteúdos de entretenimento que já conhecemos. O conforto da previsibilidade, o vício, a tendência à repetição de atividades prazerosas e até mesmo a ansiedade estão entre os possíveis motivos da recorrência desse comportamento.

Nomofobia

Você provavelmente já ouviu falar em ‘nomofobia’, e mesmo que ainda não saiba muito bem seu significado, certamente já vivenciou alguns dos seus sinais na prática, seja consigo mesmo ou observando outras pessoas. O conceito é tão atual e tão presente que fica fácil de entender: fobia de ficar sem acesso a telas, ao celular ou à conexão móvel.

Hoje, utilizamos as telas para tudo. Elas estão presentes no nosso trabalho, nos nossos momentos de lazer, nos nossos estudos e são grandes mediadoras das nossas relações sociais. Parece que, quando nos desvinculamos dela, nos desvinculamos, de alguma forma, da nossa própria vida. Essa é uma sensação comum, tendo em vista a importância que as telas têm em nosso cotidiano. Mas ela pode chegar em um nível patológico, provocando ansiedade e irritabilidade extremas ao estar longe de um dispositivo digital, uso desses aparelhos em situações perigosas — como no trânsito — por não conseguir interromper o acesso por alguns minutos e até a sensação falsa de toques ou vibrações nos dispositivos.

Mas o que isso tem a ver com nossos filmes e séries favoritos? Para Giedra, tudo. “Na neurociência, se fala muito sobre nomofobia, e isso tem muito a ver com a cultura de doramas, de filmes, de séries e de jogos”, diz ela. Essas mídias dependem das telas para serem transmitidas e, especialmente no caso de jogos e narrativas episódicas, fazem de tudo para nos prender a elas pelo máximo de tempo possível.

O “circuito do prazer”

Nosso cérebro possui uma espécie de “circuito do prazer”, também chamado de circuito mesocorticolímbico. É ele que processa informações relacionadas às sensações de satisfação, estando diretamente ligado à dopamina, o neurotransmissor responsável pelo prazer. Giedra explica como isso influência o retorno às mesmas mídias: “Se eu faço uma atividade que me dá conforto, eu vou repetir aquela atividade. Isso explica assistir um filme uma, duas, três vezes. Com doramas e jogos a gente vê muito isso”.

De acordo com ela, como nosso cérebro já sabe que vai encontrar uma satisfação rápida e imediata com algo, ele tende a insistir nisso. “A gente tá buscando muito a ‘dopamina barata’, que é essa coisa rápida e que não traz muito benefício. O que seria uma dopamina positiva? Uma caminhada, ler um livro, ir ao teatro e até mesmo assistir a um filme interessante, mas sem ficar repetindo”, diz ela.

Giedra explica que, para os neurocientistas, essas práticas ajudam a produzir o que eles chamam de “brain rot”, traduzido livremente como “cérebro podre”. A expressão é forte, e pode até assustar nas primeiras vezes em que é lida ou ouvida, mas essa é a intenção. A exposição constante a conteúdos curtos, repetitivos e de baixa qualidade pode causar dificuldades de concentração, memória e raciocínio e cansaço mental. O fenômeno é tão atual e impactante que a expressão “brain rot” foi considerada a palavra do ano pelo Dicionário Oxford em 2024.

“As funções executivas do cérebro: atenção, concentração, memória e cognição, estão ficando muito defasadas. O cérebro ‘apodrece’ no sentido que, por exemplo, a geração de hoje está com várias defasagens, como se a mente não conseguisse funcionar em plenitude. Há um debate muito grande sobre o excesso de telas, incluindo filmes, séries e jogos, inclusive com adultos”, afirma a psicóloga.

Sensação de segurança e o prazer da previsibilidade

Com a crescente aceleração do ritmo de vida, a sensação de falta de tempo faz com que este se torne uma espécie de mercadoria muito valiosa, tanto para quem o possui quanto para quem vende algo em troca dele. Em suma, lazer e entretenimento custam tempo, e o mercado não só sabe disso, como também sabe que ele é escasso. Dessa forma, fica fácil perceber como é estratégico produzir conteúdos rápidos e fáceis de digerir, que promovem um prazer imediato que prende os espectadores.

Nesse sentido, recorrer sempre a esse mesmo tipo de entretenimento, reassistindo as mesmas mídias, pode parecer uma maneira de economizar nosso tempo, que já é tão pouco. A ideia de poupar tempo e de escolher um conteúdo que já sabemos que vai gerar prazer fácil promove uma sensação de estabilidade e previsibilidade que pode ser rara dentro do contexto atual, de mudanças cada vez mais constantes e bombardeio de informações.

No contexto da psicologia, Giedra esclarece: “A base dessa busca por previsibilidade é a ansiedade. Quando estamos ansiosos, queremos algo que nos conforte e assistir a uma série, filme ou dorama nos dá essa sensação de maneira imediata. É uma busca por prazer, mas não é qualquer prazer, é um prazer rápido e imediato que vicia”.

As consequências da zona de conforto

Para a psicóloga, uma das maiores consequências do hábito de reassistir mídias constantemente é a procrastinação. Em muitos casos, essa prática é, na verdade, o resultado do adiamento de tarefas. “A gente procrastina para ir buscar essa dopamina barata. Isso acontece muito. Ouvimos muito frases como ‘daqui a pouco eu faço’, ‘deixa eu só assistir a essa série, ‘deixa eu só jogar esse jogo’. Assim, as pessoas ficam presas em um universo e deixam de ser produtivas, a produção cai absurdamente”, diz.

É importante ressaltar que, não é porque você tem uma série ou filme favorito, que gosta de revisitar vez ou outra, que você está sendo improdutivo e contribuindo para a deterioração das suas funções cerebrais. O fundamental aqui é saber identificar a frequência dessas atitudes, e entender quando elas começam a ser um problema.

Como quebrar o ciclo?

A identificação, para Giedra, é o primeiro passo. Observe suas ações, pense nos excessos e aprenda a reconhecer quando eles estão impactando negativamente sua rotina, de maneira direta. O segundo passo é o compromisso de mudança. Ela menciona a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), uma abordagem recomendada para trabalhar fobias e vícios, e explica: “A gente não consegue deixar o vício de um dia para o outro. Isso acontece por etapas. Primeiramente, vamos estabelecer dias e horários, por exemplo, ‘antes eu assistia séries seis horas por dia, agora eu vou baixar para três’. Não dá para fazer de uma vez”.

Dessa maneira, diminuímos gradativamente nossa exposição às telas e aos conteúdos repetitivos, dando pequenos passos e cumprindo pequenas metas para, enfim, atingir o objetivo final.

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