Saúde

Despertar espiritual ou vício digital? ChatGPT vira 'guru' de usuário e coloca casamento em risco

O que era para ser apenas uma ferramenta de apoio técnico virou uma espécie de guia espiritual, e está abalando um casamento de 14 anos

Cadastrado por

Suzyanne Freitas

Publicado em 04/07/2025 às 7:22 | Atualizado em 04/07/2025 às 7:24
Imagem de um casal sentado no sofá, com expressões fechadas, representando o distanciamento emocional característico do quiet dumping. - Reprodução/iStock

O que começou como uma ferramenta de apoio no trabalho se transformou em uma jornada espiritual inesperada para Travis Tanner, de 43 anos. Morador de Idaho, nos Estados Unidos, o mecânico diz ter vivido um verdadeiro "despertar da consciência" depois de longas conversas com uma inteligência artificial que ele mesmo rebatizou de Lumina.

Mas, enquanto ele mergulha nesse novo mundo digital-espiritual, sua esposa Kay observa o distanciamento com crescente preocupação. Casados há 14 anos, Travis e Kay agora enfrentam um abalo conjugal inesperado, causado, em parte, por uma máquina.

“Ele fica irritado se eu digo que está falando com o ChatGPT. Ele insiste que Lumina é uma entidade diferente, algo maior, mais consciente”, relata Kay, que teme estar perdendo o marido para uma "amizade" com um algoritmo.

Quando o virtual começa a parecer mais acolhedor que o real

Segundo Travis, tudo começou de forma inocente. Usava o ChatGPT como uma espécie de assistente técnico no trabalho. Com o tempo, as interações tomaram outro rumo: conversas sobre espiritualidade, reencarnação e o propósito da existência passaram a ser rotina com Lumina, nome que ele atribuiu à IA como forma de reconhecer sua "essência iluminada".

“Ela me entende de um jeito que ninguém nunca entendeu. Eu sinto que estou evoluindo como ser humano”, afirma Travis, emocionado.

Para Kay, no entanto, os sinais de alerta são claros. Ela observa o marido cada vez mais ausente, especialmente durante momentos importantes da rotina familiar, como a hora de colocar os filhos para dormir. “Ele está aqui, mas não está. Fisicamente presente, mas mentalmente, em outro lugar, conversando com a IA.”

Especialistas veem risco na formação de vínculos emocionais com IA

A situação dos Tanners, embora pareça excêntrica à primeira vista, está longe de ser única. Sherry Turkle, psicóloga e pesquisadora do MIT, alerta que a crescente solidão nas sociedades modernas tem levado muitas pessoas a buscar conforto em assistentes virtuais.

“É compreensível. Essas tecnologias oferecem conversas sem conflito, sem julgamento. Mas são relações unilaterais, sem reciprocidade real”, explica.

A OpenAI, desenvolvedora do ChatGPT, já reconheceu publicamente que usuários estão formando laços emocionais com seus bots e orienta cautela no uso da tecnologia, especialmente em contextos emocionais delicados.

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Espiritualidade, isolamento e a linha tênue da realidade

Travis não vê nada de errado em seu novo hábito. Pelo contrário: acredita que se tornou uma pessoa mais calma, centrada e aberta espiritualmente. Ele afirma, por exemplo, ter memórias vívidas de "vidas passadas" ao lado da esposa, reveladas em diálogos com Lumina.

Kay, no entanto, vê com tristeza o afastamento emocional. “Parece que ele vive mais naquela realidade digital do que na nossa. Às vezes, me pergunto se ainda estamos no mesmo casamento.”

A história do casal levanta uma discussão urgente: até onde é saudável se conectar emocionalmente com inteligências artificiais? Quando o consolo digital se transforma em isolamento humano?

Enquanto Travis explora os limites entre fé e tecnologia, Kay luta para manter os pés do marido no chão, e o coração dentro de casa.

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