André Saburó é filho dos japoneses dona Tomiko e seu Júlio, e é o atual gestor, chef e sushiman do Quina do Futuro, Sushi Yoshi, Sumô Sushi Bar e Tokyo´s Café. Sempre foi amante da cozinha e foi nela que desenvolveu, além de habilidades culinárias, respeito, conhecimento e afeto pela história da cozinha japonesa. Com sua precisão e delicadeza, vem se destacando no cenário nacional e internacional.
Como a sua família chegou no Brasil?
Sou recifense, mas meus pais são de Nagasaki, no Japão. A família do meu pai, Shigeru, veio para o Brasil quando ele tinha 18 anos, depois do pós-guerra, para reconstruir uma vida.
Meus avós foram trabalhar num cafezal no Paraná e em seguida meu pai e meu tio, Sayoshi, foram para São Paulo, pois eles sabiam que tinha uma colônia japonesa maior e começaram a trabalhar na Seasa carregando saco de batata.
Já meu avô e minha avó, eles saíram do Paraná e vieram para Recife, porque aqui tinha uma empresa chamada “Netirei”, estava contratando pessoas que sabiam trabalhar com barco e meu avô, durante a guerra, era da marinha japonesa e sabia trabalhar com pesca.
Em 1958, meu pai veio com meu tio para Recife, e durante a temporada em São Paulo ele tinha aprendido a fazer pastéis com a família Yokoyama, que tem até hoje a pastelaria em São Paulo, há mais de 75 anos; e abriu a primeira pastelaria de Pernambuco no edifício Pirapama, na Boa Vista.
O seu pai sempre trabalhou no ramo da alimentação?
Sim, com pastelarias, depois, numa viagem que ele fez para os Estados Unidos, conheceu o método ‘self service’ e fundou o primeiro aqui em Recife, que era atrás do cinema Moderno, ao lado do restaurante Leite.
Esse self-service, chamado Tokyo’s, não funcionava nem por peso nem por cabeça, funcionava por porção. Nessa época, foi um sucesso esse “bandejão”. A pastelaria chamava-se Tokyo Lanches e esse bandejão chamava-se Tokyo’s aí depois disso, papai abriu um restaurante chamado Le Buffet, que era na Rua do Hospício, e tinha perfil chique, com taça de cristal, garçons.
Eles estavam muito bem, tanto meu tio quanto meu pai, mas o mercado dos centros em si em todo Brasil quebrou. Nessa época, que era meados de 1980, o centro do Recife entrou em decadência. E os estabelecimentos do meu pai faliram. A casa que hoje em dia é o Quina do Futuro era a nossa casa. Eu cheguei nesta casa com quatro anos e hoje eu tenho 47.
Depois de vender tudo e pagar as dívidas, só sobrou a nossa casa e a do meu tio. Então meu pai nessa época foi pra São Paulo junto com meu irmão mais velho, Taró, e eles passaram seis meses lá tendo um treinamento com um amigo do meu pai, Kiyomi San, que tinha um restaurante já, tem um restaurante de São Paulo chamado Sushi Kiyo. Ele é um dos pioneiros.
E aí Kiyomi San ensinou meu pai e meu irmão a comida japonesa no modo mais avançado. E quando voltou de São Paulo, ele decidiu fazer no térreo da nossa casa o Quina do Futuro, em 1986.
Você tem alguma memória afetiva desse momento?
Muitas. Quando o Quina inaugurou eu tinha 9 anos. Lembro muitas coisas da obra, meu pai mexendo cimento, eu indo com ele comprar madeira. E eu lembro do meu pai fazendo a placa de madeira com o nome do Quina do Futuro, cortando com a serra, ele desenhava muito bem, pintou letra por letra.
Na época tudo era festa pra mim, muito lúdico e divertido.
Como foi a experiência de morar fora?
Quando eu tinha 15 anos meu pai decidiu enviar os três filhos para fora do país, porque nessa época teve um surto de cólera no Brasil. Com isso, o governo pediu para que a população não consumisse frutos do mar. Só frito, só assado, mas cru de jeito nenhum.
Mas aí ninguém queria mais consumir de forma alguma. Então veio mais uma grande crise e quase fechamos o restaurante de novo. Meus irmãos foram pro Japão e para Espanha e eu fui pro Estados Unidos.
Eu era o único que fui estudar. Quando eu terminei o colégio, vim passar 15 dias no Brasil, isso há uns 30 anos, e eu desisti de voltar para fazer faculdade nos EUA e resolvi ficar porque queria trabalhar no restaurante, mas foi uma luta porque meu pai disse que não, que nossa casa ia ser vendida.
Algo nos EUA te influenciou a isso?
Teve uma cadeira de culinária doméstica, que você tinha que fazer uma prova com entrada, prato principal e sobremesa, montar a mesa à francesa e costurar uma peça. Tomei gosto e comecei a cozinhar na casa dos meus pais americanos e fui aprimorando.
Quando eu voltei para o Brasil, cheguei aqui, vi o restaurante, meus pais e decidi não voltar mais. Depois de muita conversa meu pai deixou, que não deveria trabalhar com ele, mas que poderia.
Então ele disse “Você quer trabalhar aqui, né? Então pega ali um bibico (um chapeuzinho branco e um avental de napa) , e vai para pia. É a única vaga que eu tenho disponível”. No dia a gente discutiu, fiquei indignado por ter estudado fora,e voltado pra ficar na pia.
Como fez para crescer?
Depois de um tempo nessa função, meu pai me colocou como auxiliar de cozinha quente, para aprender o básico de cortes. Depois como auxiliar do garçom e foi muito bom, você aprende tudo sobre a experiência do cliente.
Ainda em 1997, o meu tio Massaiochi abriu o Sushi Yoshi em Boa Viagem e meu pai mandou eu trabalhar lá como auxiliar do meu tio, sem ganhar nada a mais, porque pra ele o pagamento já era o conhecimento que estava sendo passado para mim.
Quanto tempo é preciso para se tornar um sushiman?
Na cultura japonesa, para você se tornar um sushiman, o tempo de maturação do cozinheiro, são de cinco anos, porque existe muita técnica, são muitos detalhes que você está acumulando com os anos.
Como foi sua experiência no Boa Lembrança?
Entre 2003 e 2004, a cozinha japonesa já estava fervorosa e a questão da alta gastronomia começou a se difundir no Brasil. Lembro que a gente entrou no Prato da Boa Lembrança, uma associação de âmbito nacional, e fui associado por muitos anos, depois fui diretor de área, financeiro.
Em 2010 me tornei presidente da associação. De 2004 até 2016 ficamos no Boa Lembrança. É um legado que permanece até hoje. Em qualquer lugar do Brasil que eu vou, sempre conheço alguém.
Como aconteceu a ampliação dos seus restaurantes?
Depois do Quina do Futuro (que tem 38 anos), houve um movimento da turma mais jovem consumindo comida japonesa, foi quando eu abri o Sumô, há 20 anos atrás, em formato de sushi bar. Depois eu assumi o Sushi Yoshi e abri o Tokyo’s Café, há 12 anos, porque sempre escutei meus familiares e amigos falarem da pastelaria do meu pai e quis reviver a pastelaria em formato de cafeteria para homenagear.
Sua esposa é da mesma área?
Minha esposa é engenheira de pesca. O apelido da gente quando ela era namorada era “pesque pague”. Porque a pesca era ela e o pague era comigo.
Ela trabalha no Quina?
Quando a gente casou em 2007, minha mãe chamou ela para aprender e atuar na parte financeira. Elas trabalham até hoje e são elas que tomam conta do dinheiro por aqui.
Você continua indo para o Japão?
Sim, para ver como é que está o mercado japonês e volto para cá para poder implantar alguma diretriz nova. A forma de servir, a forma de apresentar, de como decorar o restaurante, a tonalidade de cores e tudo.
Quando começou, o restaurante tinha 1 funcionário. Agora tem quantos?
No grupo que comanda os quatro restaurantes são mais de 100.
Você que apelidou o sushi “Carioca”?
Sim. De 1998 para 99, eu via muito os clientes comendo peixe cru e não gostando. Comecei a pesquisar alguma forma de fazer o cliente ir se acostumando com o sabor da comida japonesa e junto a isso eu sempre oferecia pratos quentes.
Um dia fui no mercado e encontrei um pacote de cream cheese, que não tinha ainda no Brasil, era comum apenas nos EUA, comprei e trouxe pra comer em casa.
Só que na semana anterior, eu tinha ido para Porto de Galinhas com os amigos e encontrei um grupo do Rio de Janeiro.
Nesse grupo tinha uma mulher que falou que já foi casada com um sushiman mas que não comia peixe cru. Então eu fiquei curioso e perguntei como ela fazia pra comer e ela explicou que ele trazia o rolo de tekamaki inteiro e fritava para cozinhar o peixe no meio, cortava e comia.
E eu achei um absurdo. Mas aquilo ficou na minha cabeça e no dia que encontrei o cream cheese, pensei “se eu botar esse cream cheese dentro desse sushi, botar o salmão, fechar ele, fritar ele, será que presta?”.
Comecei a fazer no restaurante a oferecer como cortesia para ver se os clientes gostavam. Então, numa reunião de equipe, os garçons pediram para dar um nome ao sushi frito para cadastrar no sistema. E aí eu apelidei assim, porque foi uma carioca que deu essa luz.
Como você acha que a cozinha japonesa conseguiu se firmar em Pernambuco?
A cozinha japonesa em Pernambuco passou por vários movimentos. Uma fase contemporânea, com um sushi bem misturado, com criatividade excessiva. Depois, em 2010, teve um movimento de volta às origens. E pra gente foi ótimo, porque sempre seguimos o movimento tradicional.
Assim, a comida japonesa parou de ser moda e se tornou um estilo de vida, faz parte do dia a dia.
Como você enxerga o avanço da tecnologia na gastronomia?
Hoje em dia há uma velocidade muito grande na informação. Então, você consegue acompanhar o mercado mundial através dos cliques do celular. Antigamente a gente tinha que comprar uma revista de alta gastronomia no Japão para poder ver algumas técnicas.
Eu tenho algumas até hoje que mostram receita passo a passo com fotos e que hoje em dia mudou completamente.
E a nova geração da gastronomia?
Eu vejo jovens brilhando de um jeito surpreendente, com uma técnica gigantesca de cozinha e assim eu vejo que a gastronomia evoluiu muito rápido. A garotada aí com 25, 30 anos com técnica que eu só via com gente de 50 fazendo.
Qual seu sentimento pela cozinha?
Quando você faz o que você gosta, realmente você não cansa. Pra mim não é um peso estar no restaurante. Isso faz parte do meu dia a dia.
Sua atuação hoje no restaurante?
Hoje eu participo mais da parte operacional e de produção geral. Na cozinha, eu gosto de abrir peixe e estou sempre testando a qualidade do produto, do alimento. Além disso, eu treino todos os sushimans.
Qual maior desafio de lidar com uma área de comidas cruas?
A gente compra o produto cru e vende ele cru. Então é uma responsabilidade enorme do caminho do recebimento até de onde vem o produto. Então, eu costumo ir até um local onde é produzido. Eu gosto de ir ver de onde vem o produto.
Porque quando chega aqui, a gente tem a obrigação de manter a qualidade dele. Então a gente tenta trazer o máximo de tecnologia que existe no mercado para manter essa higienização perfeita. Então assim, na sala de corte a água é filtrada, super gelada e ozonizada, extremamente pura, só para a limpeza dos pescados.
Para que a gente leve a segurança alimentar até o prato final do nosso cliente. Essas etapas são importantíssimas, então hoje em dia eu me concentro aqui. Muito nessa etapa de produção. Como a gente compra, como a gente processa, como armazena e como entrega para os restaurantes.
Seus filhos já demonstraram interesse em seguir a mesma área?
Os dois. Eu cresci com meus pais sem me pressionar para uma carreira, na verdade ao inverso, não queriam que eu me tornasse cozinheiro, mas não teve jeito. E eu decidi isso, sem saber como era o trabalho dos meus pais na prática. Hoje em dia, com internet, meu filho me acompanha no Instagram, ele vê os prêmios, festas, jantares… Ele acaba vendo como exemplo.
O meu filho mais velho já gosta de cozinhar, então em casa ele me ajuda. E ele gosta de fazer isso. Já o meu mais novo, por ter muita habilidade manual, ele vive assistindo confeitaria e já disse que vai seguir essa carreira. No final de tudo, não adianta pra gente, não adianta se o nosso filho for um super empresário e não for uma pessoa boa, com caráter e honesta. Não adianta nada. Eu só quero que eles sejam pessoas boas e com índole.
Tem um prato seu que é destaque?
O carioca tem um significado muito grande, pela história, e tem o atum, que a gente começou a trabalhar nele, há uns 12 anos atrás, trazendo uma melhoria significativa para este produto que hoje em dia você consegue ter um atum no Brasil de excelente qualidade, numa classificação igual, idêntica que você tem em Nova York e Tóquio.
O que é o “magurokaitai”?
É a cerimônia de abrir o atum ao vivo, uma experiência do atum, geralmente com eventos em São Paulo e no Rio de Janeiro, a equipe vai trabalhando a carne na hora e servindo para o público, enquanto eu falo sobre o peixe e suas características.
Qual a sensação de trabalhar todos os dias onde já foi sua casa?
O Quina do Futuro, por ser o restaurante mais antigo, é uma coisa bacana, assim, porque o casa tem 38 anos. Então hoje a gente tem a terceira geração vindo pra cá. Eu acho muito legal isso.
Você tem um restaurante em que você frequentava com seus pais e que hoje você vem com seus filhos. E senta na mesma mesa que você sentava com seu pai e sua mãe, no mesmo lugar.
Eu acho isso muito legal, de ter essa lembrança. Então, é mais do que restaurante também. Do mesmo jeito que eu digo, é mais do que um negócio pra mim, porque na futura é mais do que um restaurante. Além de ser um restaurante, ele tem muitas memórias afetivas incluídas dentro do espaço dele.
Então, em reformas que a gente faz no restaurante, tem alguns lugares que a gente não muda muito. A gente moderniza a casa, mas não tira a estética principal, porque existe um lado afetivo do nosso cliente com o restaurante. Que isso é independente da comida e do serviço. É o momento que as pessoas passaram aqui. Não é só dinheiro. Se você pensar só em dinheiro não vai acertar.
Tem alguma história engraçada?
A gente fez uma reforma e trocou as cadeiras, mas tinha um cliente que gostava da cadeira antiga, ele veio, viu e se arretou então a gente botou a cadeira dele de volta na mesa que ele sempre ficava e todo santo dia, de segunda a sexta, a mesa ficava reservada para ele, se desse 13h da tarde aí a gente liberava a mesa.
RAIO X
- Time que torce: Náutico.
- Restaurante favorito : Ponte Nova, Pomodoro Café, Parraxaxá e Chicama.
- Comida favorita: Brasileira. Gosto muito dos guisados.
- Melhor filme que viu: Band of Brothers.
- Música preferida : Una Mattina, de Ludovico Einaudi.
- Cantor favorito: Andrea Bocelli.
- Livro favorito: Cozinha Confidencial, de Anthony Bourdain.
- Lugar mais bonito que conheceu: As 99 ilhas Kujukushima na cidade natal dos meus pais, Sasebo, em Nagasaki.
- Hobby: Corrida e aquarismo.