Acessibilidade no mercado da beleza: um desafio que não pode ser ignorado
Mais de 18 milhões de brasileiros são pessoas com deficiência. Apesar do número grande, a inclusão ainda é baixa, especialmente no mercado da beleza.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui mais de 18,6 milhões de pessoas com deficiência. O número, que foi descoberto durante a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 2022, representa 8,6% da população.
Os indicadores mostram que mais da metade dessas pessoas são mulheres: 10,7 milhões, o equivalente a 10% da população feminina do País. Os dados também expõem uma realidade desafiadora, na qual pessoas com deficiência (PcD) enfrentam barreiras significativas no acesso ao mercado de trabalho, à educação e a diversos outros setores — uma desigualdade que também se reflete no mercado da beleza.
Acessibilidade no mercado da beleza
Apesar de ser reconhecido por sua capacidade de inovação e transformação, o mercado da beleza ainda enfrenta desafios significativos no que diz respeito à inclusão e à acessibilidade.
Entre embalagens difíceis de manusear e fórmulas pouco adaptadas, muitas pessoas com deficiência ainda se veem excluídas de experiências que deveriam ser universais. É nesse cenário que Marina Melo, aos 21 anos, tem se destacado como uma voz essencial.
Criadora de conteúdo, consultora de acessibilidade e formada em design, ela alia sua vivência pessoal com atrofia muscular espinhal tipo 2 (AME ou SMA tipo 2) à expertise técnica para apontar as falhas do setor e propor soluções práticas.
Mais do que propor uma consulturia, Marina busca inspirar mudanças reais, trazendo à tona uma questão urgente: como tornar a beleza verdadeiramente inclusiva para todos?
Uma nova abordagem para o mercado da beleza
Para Marina, a acessibilidade vai além de rampas ou legendas: é sobre criar experiências completas e funcionais. Muitos produtos de beleza, como lápis de boca, delineadores e até itens básicos de maquiagem, ainda não são projetados para serem usados por pessoas com limitações de mobilidade.
A especialista conta como decidiu entrar para o mundo da criação de conteúdo e consultoria para marcas. "Tudo começou, de certa forma, por uma questão muito natural. Eu já tava criando conteúdo para internet há um tempo, falando sobre a vivência de uma pessoa com deficiência. Acabou que fui me maquiar para gravar um vídeo e me toquei que não conseguia usar grande parte desses produtos sem pedir ajuda", explica.
"Guardei isso na minha cabeça e eu achei teria esse problema com todas as maquiagens. Com o tempo, fui tendo mais contato e hoje vejo que o mesmo tipo produto, só que de marcas ou linhas diferentes, eu conseguia ou não usar."
Foi então que ela decidiu atuar no ramo, contribuindo para o crescimento do debate sobre acessebilidade. Com o tempo, Marina desenvolveu critérios claros para avaliar produtos, considerando fatores como o design das embalagens, a facilidade de manuseio e a funcionalidade real. A consultora destaca que o objetivo não é eliminar produtos existentes, mas aprimorá-los.
"Quando pego um produto, eu analiso como que ele é aberto, se tem uma textura, a facilidade de aplicação, usabilidade. Então, toda essa parte de experiência do usuário eu aplico para pessoas com deficiência", afirma.
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"Muitas vezes, quando eu mostro para a marca que um produto poderia ser acessível em algum critério, todo mundo chega à conclusão que isso também é uma questão que faz diferença para todos os usuários, mesmo os sem deficiência, porque o consumo fica muito mais fácil para todos consumirem aquele produto."
Os critérios possuem uma pontuação de 1 a 5, que são somados para obter uma média geral para os produtos.
Exemplos no dia a dia e campanhas inclusivas
Um exemplo positivo citado por Marina é o lápis de sobrancelha 3 em 1 da Eudora, que combina um aplicador acessível com uma fórmula prática e eficiente. Esses avanços, embora promissores, ainda são raros no mercado, que carece de mais comprometimento com a inclusão.
"Acho que de todos, é o mais acessível que eu testei até agora. Ele vem com um lápis de sobrancelha, um pozinho para preencher a sobrancelha e um gel de sobrancelha. E o aplicador do gel de sobrancelha é enorme, então para pessoas que não conseguem levantar o braço, ele é incrível, porque é o primeiro produto que consegui aplicar sem nenhuma dificuldade".
Outro ponto que também deve ser levantado nesse debate é a lacuna entre marketing inclusivo e acessibilidade real. Muitas campanhas promovem a diversidade, mas os produtos em si continuam inacessíveis para grande parte da população.
"A gente não está nem falando de todas as marcas que colocam pessoas com deficiência nas campanhas. É muito mais sobre poucas marcas que colocam pessoas com deficiência na campanha e que não fazem essa mínima inclusividade nos seus produtos", refletiu.
A acessibilidade e autoestima
Sabemos que a beleza está altamente ligada com a autoestima, portanto, a inclusão também é uma forma de contribuir para a construção da identidade e amor próprio de muitas PcD. Marina conta mais sobre sua experiência ao entrar no mundo da beleza.
"Eu sempre vi minha mãe se maquiando de manhã para ir ao trabalho, cresci com um boom do YouTube, então acompanhei criadores, conteúdos, blogueiras, maquiagem. E tentava me maquiar como minha mãe se maquiava, mas era muito uma coisa de diversão, sabe?"
O momento de autocuidado, apesar de ser adorado pela profissional, ainda tem obstáculos. "Às vezes, preciso testar um produto, mas ele não funciona. Então, tenho que interromper minha maquiagem, pegar outro produto que já sei que funciona. Isso comprova meu ponto de que existem produtos semelhantes, mas nem todos são adaptados para pessoas com deficiência."
Criar conteúdo foi uma alternativa para que sua voz se tornasse mais ativa, como também, auxiliou na criação de uma base sólida para o autoconhecimento.
"Quando eu comecei a criar conteúdo na internet, isso me motivou mais a aplicar tudo aquilo que eu via as pessoas em minha volta fazendo. E foi muito engraçado porque eu acabei conhecendo o meu corpo como um todo. Eu comecei a entender como que é o meu olho, como que é o formato do meu rosto, como que posso valorizar os meus traços cada vez mais."
Como o Brasil está colocado em relação ao mundo?
Recentemente, a Make B., marca do grupo O Boticário, lançou a primeira coleção de pinceis articulados do Brasil, ideal para segurança e controle da aplicação para todos, incluindo pessoas com deficiência nos membors superiores ou não, e/ou limitação motora e visual.
Composto por um mecanismo articulado, que gira em 360°, um cabo anatômico e uma marca tátil para pessoas com deficiência visual, o produto foi aprovado por PcD e maquiadores. Marina, inclusive, forneceu suas principais impressões: "Ele tem uma usabilidade muito grande, eu fiquei muito feliz que a Boticário me deu a liberdade. De tipo, fazer um vídeo do jeito das minhas primeiras impressões, sabe? Então, os dois vídeos, tanto do TikTok quanto do Instagram, foram vídeos onde eu de fato sentei na frente da câmera e gravei."
De acordo com a designer, a experiência foi extremamente positiva: "Foi totalmente a minha primeira experiência com o produto e ficou muito genuíno porque eu não sabia que faria tanta diferença. Nossa, eu quero todos esses pincéis, eu quero cinco kits desses pincéis porque eu uso eles direto."
A inovação foi altamente aprovada, no entanto, é preocupante que essa tenha sido a primeira vez que uma marca brasileira tenha dedicado espaço para esse debate. No país, a única marca que abraçou e incluiu no seu marketing esse aspecto foi O Boticário.
"O Boticário ter feito isso é incrível, porque é basicamente ele falar: olha, isso daqui é possível, isso daqui dá dinheiro. A gente está falando de marketing, de dinheiro, inclusive, é isso que move o mundo."
"Os pinceis já estão esgotados e isso prova que PcD são consumidores e não só pessoas com deficiência. Porque, nas minhas viagens de São Paulo, eu levei os pincéis para vários amigos meus testarem que não têm deficiência. E até mesmo maquiadores falaram que esse tipo de pincel é incrível para poder maquiar o cliente. Então provou que a acessibilidade é para todo mundo, sabe? Foi sim um grande marco."
O grupo já havia explorado o tema durante a criação do "Batom Inteligente", um projeto desenvolvido em parceria com a CESAR School (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife) e O Boticário. O produto foi o primeiro cosmético do mundo projetado para ajudar mulheres com deficiência física ou visual a aplicar batom de forma autônoma, sem a necessidade de assistência.
Em entrevista ao Social1, Izabella Cavalcanti, gerente de projetos do CESAR envolvida na iniciativa, detalhou como o "Batom Inteligente" facilita o processo de aplicação do produto nos lábios do consumidor.
"O Batom Inteligente utiliza inteligência artificial para identificar as diferenças entre a pele do rosto e os lábios da pessoa, garantindo uma aplicação precisa e confortável. O dispositivo aplica o batom líquido de forma automática, interagindo com o usuário durante todo o processo, tornando a experiência ainda mais inclusiva", afirmou.
A ideia do batom foi um criada como um protótipo para testes, portanto, não foi comercializado para o público. Apesar disso, ainda no mês de julho deste ano, alguns consumidores tiveram a chance de testar a funcionalidade em um evento na loja conceito da marca, em São Paulo. O resultado foi de 100% de aprovação.
Milene Haraguchi, Expert em P&D do Grupo Boticário comenta sobre o impacto da iniciativa:
"Nesta jornada, o protótipo do Batom Inteligente propõe uma redefinição da relação entre tecnologia e beleza, elevando o padrão de inovação no setor de forma disruptiva. O objetivo do projeto é instigar essa transformação no mercado de beleza, onde os produtos de maquiagem podem se adaptar às necessidades individuais dos consumidores, promovendo uma beleza que deve ser para todos", explica.
Transformando a beleza em ferramenta de inclusão
A mudança de pensamento dentro desse mercado exige a combinação de tecnologia, design funcional e vontade das marcas e de toda população de abraçar a diversidade. Com o uso da sua plataforma para educar o público sobre a acessibilidade, Marina revelou que também conseguiu atingir seguidores sem deficiência.
"Eu tenho um público, majoritariamente, de pessoas sem deficiência, o que é muito engraçado. E eu adoro porque a maioria das respostas dele são tipo, 'você abriu meus olhos', 'eu nunca tinha pensado por esse lado'."
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Para o futuro, a especialista defende que melhorias simples, como aplicadores maiores e fórmulas mais fáceis de usar, podem impactar positivamente a vida de milhares de consumidores.
Os passos seguintes no mundo da beleza depende de um compromisso genuíno com a inclusão, e Marina Melo está na linha de frente dessa transformação. Sua mensagem é clara: acessibilidade não é luxo, é um direito básico, e o mercado tem muito a ganhar ao abraçar essa realidade.
"Eu gostaria que as pessoas não precisassem mais ter que escolher os produtos que elas vão usar de acordo com 'será que aquela marca pensa em mim ou não'."
"É uma questão muito complicada, mas às vezes é bom para as marcas entenderem que eu não quero acabar com todas as embalagens do mercado e fazer, tipo, uma específica. Não, eu quero arrumar pequenas melhoras na embalagem que a pessoa já tem, que a marca já tem, para poder transformar ela um pouco mais acessível.", finaliza.
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