O que três ritmos musicais tocados no Brasil, em Cuba e nos Estados Unidos têm em comum? Quais os paralelos e as diferenças entre o jongo, a rumba e o blues, considerando suas origens, resistências e permanências? Essas são algumas das reflexões propostas por “Razões Africanas”, documentário dirigido por Jefferson Mello, que estreia nesta sexta-feira, 4 de julho, no Cinema da Fundação, em Recife, com sessões diárias.
Gravado ao longo de quatro anos e filmado em seis países — Brasil, Cuba, Estados Unidos, Angola, Mali e República Democrática do Congo — o documentário acompanha três personagens que representam cada um dos ritmos: a brasileira Lazir Sinval, a cubana Eva Despaigne e o norte-americano Terry ‘Harmonica’ Bean.
Por meio de depoimentos e cenas do cotidiano, os três revelam como suas trajetórias se conectam a histórias de ancestralidade, diáspora, resistência e pertencimento — aspectos fundamentais da memória coletiva dos povos africanos e afrodescendentes.
Com forte repercussão internacional, “Razões Africanas” já foi exibido em mais de dez festivais de cinema, incluindo a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o Festival de Cinema de Havana e o Pan-African Film Festival, em Los Angeles. A produção venceu o prêmio de Melhor Documentário Especial pelo Júri no festival Cinema on the Bayou (EUA) e foi premiada também no Festival Internacional de Cinema Africano da Argentina. Teve, ainda, sessões especiais em Angola, em novembro de 2024.
A obra é uma produção da Tremè Produções, em coprodução com a Carmela Conteúdos, com patrocínio do Instituto Cultural Vale e A&M Álvares Marsal.
Jefferson Mello: uma câmera guiada pela ancestralidade
Fotógrafo, diretor de fotografia, documentarista e empreendedor cultural, Jefferson Mello é o nome por trás de “Razões Africanas”. Ao longo de duas décadas de carreira, ele construiu uma trajetória marcada pelo olhar atento às expressões musicais afro-diaspóricas.
Depois de ter percorrido os caminhos do samba e do jazz — tema do seu livro fotográfico e do documentário Samba & Jazz — Jefferson mergulha agora nas raízes do jongo, da rumba e do blues. Para isso, ele viajou sozinho entre seis países, optando por trabalhar com equipes locais, o que conferiu ao documentário um olhar plural e colaborativo.
Atualmente, o diretor desenvolve um novo projeto sobre o racismo no futebol, com uma abordagem global, que também abordará a história dos Camisas Negras, o primeiro time popular e negro do futebol brasileiro.
Lazir Sinval: o jongo como herança, luta e identidade
Personagem brasileira em “Razões Africanas”, Lazir Sinval é muito mais do que uma representante do jongo. Compositora, cantora, jongueira, escritora e ativista cultural, ela é uma das vozes femininas mais importantes na preservação e valorização dessa expressão de origem angolana, marcada por resistência e ancestralidade.
Herdeira direta do legado de Tia Maria, uma das principais referências do jongo no Brasil, Lazir mantém viva a tradição por meio de práticas artísticas e sociais, atuando em projetos voltados à juventude negra e à educação popular.
Para ela, o jongo é ferramenta de identidade e transformação social. Em entrevista recente, relatou com alegria a experiência de ter gravado com Pretinho da Serrinha, dando visibilidade nacional a um ritmo historicamente marginalizado.
No documentário, sua presença representa a força da transmissão oral entre gerações e a potência das culturas negras como forma de resistência e reexistência.