Dia do Dublador: a dublagem como arte invisível, indispensável e cheia de significado

Comemorado no dia 29 de junho, o Dia do Dublador é símbolo do reconhecimento de uma das maiores e mais incríveis artes do Brasil: a dublagem

Publicado em 27/06/2025 às 9:00
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Seja no escuro das salas de cinema, nos streamings ou no conforto do sofá enquanto assiste às novelas estrangeiras, existe uma voz que não se vê, e que, muitas vezes, é mais nossa que a original.

A dublagem brasileira, consagrada entre as melhores do mundo, é uma arte de não apenas dublar, mas transformar as falas com alma, ritmo e personalidade. São essas vozes invisíveis que tornam personagens inesquecíveis, mesmo que, ironicamente, nunca vejamos os respectivos rostos.

No Dia do Dublador, comemorado dia 29 de junho, são celebrados as pessoas que emprestam sotaques e emoções, traduzindo não só palavras, mas intenções, afetos e identidades. As vozes atravessam gerações, desde a infância marcada pelo grito animado de um herói, as confusões de um drama adolescente, até a fase adulta com tramas complexas.

E essa excelência da dublagem brasileira não é por acaso, é fruto de uma construção de grandes artistas, e isso é o que faz ser tão única. É representada por uma grande tradução do jeitinho, do ritmo, do humor e da dramaticidade que só o Brasil tem.

Dentro desse cenário tão talentoso, nomes como Cláudio Galvan, Bianca Alencar e Fernanda Baronne se destacam não apenas pelas vozes inconfundíveis, mas pela entrega, versatilidade e paixão com que vivem cada personagem. São artistas que ajudam a contar histórias com alma e autenticidade e que agora compartilham um pouco dos bastidores e emoções dessa profissão.

Reprodução/Globo/ABC
Cláudio Galvan, dublador de Mark Sloan, de Grey's Anatomy - Reprodução/Globo/ABC

O caminho até a dublagem costuma começar com descobertas pessoais e momentos que despertam uma paixão que fica para sempre. Cada dublador tem a própria história, um jeito único de se encantar com a voz e com a magia de dar vida a outros personagens por meio dela.

Para Cláudio Galvan, que já trabalhava como ator, o mundo da dublagem apareceu de maneira inesperada. "Na época em que comecei, ninguém sabia nada de dublagem, ninguém conhecia dubladores, ninguém. Eu também não sabia muito bem. Aí tive a oportunidade de conhecer a dublagem dentro de um estúdio. Fui, e então falei: 'Nossa, que interessante, porque tem a ver com o que eu já trabalho como ator'", afirma.

Um dos primeiros trabalhos foi para dublar Max, filho do Pateta, com as partes cantadas. Por trabalhar com musicais, essa foi a introdução de Cláudio Galvan no ramo. Após isso, foram surgindo oportunidades para dublar as partes faladas dos personagens. Daí surgiram grandes ícones dublados por ele, como Pato Donald, Shang em "Mulan", Mark Sloan em "Grey's Anatomy", Capitão em "Madagascar", entre outros.

No Brasil, onde a dublagem é parte fundamental da experiência audiovisual, não é raro que a voz de um dublador se torne mais conhecida que o próprio nome. Essa conexão entre público e intérprete é um dos maiores legados dessa arte. Uma das vozes mais únicas da dublagem, Bianca Alencar, responsável por dar a vida da versão brasileira de Mabel Pines em "Gravity Falls", e Lola em "Charlie e Lola", é umas dessas facilmente reconhecidas.

"É uma honra quando alguém reconhece minha voz. É muito engraçado que, agora que eu tô na internet, nem tanto, mas antigamente, até falavam assim: ‘Nossa, te conheço de algum lugar’. E eu já sabia, basicamente, que a pessoa conhecia mais a minha voz do que a mim, né? Então, é incrível demais fazer parte desse universo. Eu amo muito", celebra Bianca Alencar.

A rotina em um estúdio de dublagem está longe de ser simples. Há uma coreografia técnica e criativa acontecendo longe dos olhos do público, com desafios e processos muito bem pensados.

"Como eu sou diretora de dublagem, eu trabalho muito com adaptação de texto. Muitas vezes, eu pego comédias que, se forem traduzidas literalmente, não vão ter a menor graça. Você precisa colocar uma gíria, uma expressão, botar um 'molho', algo que faça com que as pessoas se identifiquem. E é aí que eu acho que a dublagem brasileira, nesse ponto, é muito especial", revela Fernanda Baronne, que fez personagens Kim Possible, Vampira de "X-Men", e Penny de "The Big Bang Theory".

O que poucos sabem, e não fazem ideia, é que o dublador não tem um primeiro contato com o texto antes de chegar no estúdio de gravação. Quando o trabalho chega para eles, é preciso imaginar como será feito o personagem na hora.

Reprodução/Disney/Instagram
Bianca Alencar, dubladora da Mabel, de Gravity Falls - Reprodução/Disney/Instagram

"Quando as pessoas ouvem isso, ficam geralmente surpresas: ‘Nossa, mas como assim? Você chega lá e dubla na hora? Não vê o texto antes? Não conhece o personagem? Não viu o filme?’ e é exatamente isso. É sempre tudo na hora", começa Cláudio Galvan.

"Essa é uma curiosidade que muita gente tem e que poucos imaginam ser real. A maioria pensa que a gente leva o texto para casa, estuda, assiste ao filme antes… Mas essa realidade simplesmente não existe. Até por uma questão de privacidade do material, os estúdios não liberam os vídeos nem os roteiros com antecedência, justamente para evitar qualquer risco de vazamento antes do lançamento oficial", explica.

Segue dessa forma: devido a essa dinâmica, é preciso de uma enorme atenção. As cenas são dubladas pedacinho por pedacinho, para não existir nenhum erro. É um processo bem mais ágil e intenso que a maioria pensa ou chega a sequer imaginar.

E existem pessoas que amam assistir aos filmes dublados até mais que às versões originais, não apenas pela praticidade, mas também pelo vínculo criado com as vozes brasileiras que acompanham os personagens favoritos desde sempre. Para esse público, a dublagem representa mais que tradução: é uma forma legítima de consumir e se conectar com a obra.

"Além de ser uma necessidade, uma forma de acessibilidade para pessoas que precisam e necessitam da dublagem, existe também o amor das pessoas que não necessariamente precisam assistir dublado, mas escolhem assistir dublado. Porque tem aquela nostalgia, tem aquele... É mais confortável para certas pessoas assistir algo dublado," diz Bianca.

Fernanda Baronne também complementa: "A gente tem A Nova Onda do Imperador, a gente tem Procurando Nemo, que são filmes que, sinceramente, eu duvido muito que em qualquer outro lugar do mundo tenham ficado tão incríveis quanto no Brasil. E isso não é só por conta da qualidade dos profissionais de dublagem, mas por causa dessa ousadia que a gente tem, né? De experimentar, de brincar, de correr atrás do riso do público".

Thiago França, de 28 anos, é formado em biomedicina e apaixonado por filmes dublados. Um dos motivos é a conexão dos artistas com a obra.

"Eu acredito que a arte de dublar não vai só de traduzir falas, mas os dubladores têm que ter toda aquela expressão. A personalidade do ator, a questão da emoção. Então, essa expressão do dublador vai muito além", ele afirma. "E isso também traz pra gente a questão das gírias locais, a forma de falar que exprime sentimentos e emoções pra gente que é brasileiro, por exemplo, e que na linguagem original não vai ter. Então, isso traz uma inclusão, de certa forma, para quem está assistindo. Acho muito interessante. Eu amo".

Para o biomédico, a adaptação é muito mais que apenas traduzir, mas os dubladores brasileiros deixam tudo de um jeito único.

"Eu acho que essa questão da adaptação, de trazer a dublagem para os filmes estrangeiros, é muito legal. Acho muito, muito, muito facilitado toda essa questão ao assistir. Você se liga muito ao personagem e à fala daquele dublador, que de certa forma deixa único. Tem alguns filmes que não seriam tão interessantes se não tivessem a dublagem. O áudio original não seria o mesmo", finaliza.

Reprodução/Instagram/Kids' WB
Fernanda Baronne, dubladora da Vampira, de X-Men - Reprodução/Instagram/Kids' WB

Por mais que a dublagem brasileira seja encantadora e diferenciada, em meio aos avanços tecnológicos e ao surgimento de vozes artificiais, o trabalho do dublador humano passa por uma fase de reflexão. Vídeos com dublagens geradas por inteligência artificial estão surgindo cada vez mais nas redes sociais, e sendo tratados como apenas brincadeira. Pode até parecer inofensivo, mas muitos dubladores lutam para existir a regulamentação das IA nesse tipo de situação.

"A inteligência artificial, além disso, ainda infringe leis. Porque, para poder dublar, ela usa a voz da gente como uma 'máscara', como se fala, que é uma forma de usar a IA copiando a voz de quem já dubla para colocar em outros filmes. Isso será proibido. É só uma questão de tempo. A gente já tem associações de dubladores que estão se reunindo e trabalhando nisso" explica Galvan.

Segundo o dublador, existem muitas pessoas engajadas nesse debate, não somente no Brasil. Associações que atuam no país vão para o Canadá, Argentina, Espanha, entre outros. Inclusive, em muitos deles, a inteligência artificial na dublagem já foi proibida.

"A IA não é humana. Ela não cria. Então, se a arte em geral passar a ser criada por IA, a gente não vai mais ter uma representação do que é verdadeiramente humano. A gente nunca mais vai ter nada de novo. Vai ser só uma readaptação em cima do que já existiu", declara Baronne. "Movimentos musicais, movimentos de pintores, correntes de teatro, linguagem cinematográfica... Nada disso mais vai ser novo. Vai ser tudo algo que veio de antes, que a IA compilou e criou um Frankenstein em cima daquilo. E a arte é uma das coisas mais humanas que existem".

Em um mundo de tecnologias cada vez mais avançadas, ainda são as interpretações humanas que fazem a diferença. Nelas, são transmitidas muito mais que uma simples emoção: é uma conexão real com a obra, com os artistas e, principalmente, com o público. A sensibilidade, técnica e o "molho" brasileiro não tem preço. E é isso que, mais que nunca, merece ser reconhecido.

E aqui vai um extra: quais os personagens mais marcantes para esses dubladores? Ainda em entrevista para o Social1, foi realizado um ping-pong com os artistas citados. Confira abaixo!

Qual foi o personagem mais difícil?

  • Bianca: Uta, de One Piece
  • Cláudio: Pato Donald, e é até hoje!
  • Fernanda: Sofia Falcone, de Pinguim

Qual foi o personagem mais legal?

  • Bianca: Mabel, de Gravity Falls
  • Cláudio: Shang, de Mulan
  • Fernanda: São várias! Se tivesse que escolher, seria Sam Sparks, de Tá Chovendo Hambúrguer

Qual personagem você acha que é o mais lembrado?

  • Bianca: Também a Mabel!
  • Cláudio: Capitão, dos Pinguins de Madagascar
  • Fernanda: Penny, de The Big Bang Theory

Qual foi o personagem favorito de dublar?

  • Bianca: Do Do-Hee, de Meu Demônio Favorito
  • Cláudio: Difícil escolher um favorito…
  • Fernanda: Não consigo escolher, muito difícil! Amo a Penny, Mavis, Sam Sparks, Viúva Negra…

Qual foi o personagem que você pensou duas vezes antes de aceitar dublar?

  • Bianca: Se tivesse que escolher, não dublaria filmes de terror!
  • Cláudio: Pica-pau, do filme, foi um grande desafio.
  • Fernanda: Não tem nenhum personagem

Qual é o personagem que mais pedem para você dublar quando te reconhecem em algum lugar?

  • Bianca: Com certeza, Twilight Sparkle, de My Little Pony, Mabel, Lola de Charlie e Lola…
  • Cláudio: Capitão! Tá muito hypado
  • Fernanda: Penny e Viúva Negra, mas, quando é criança, Mavis

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