Filme sobre mulheres negras que usam o canto como força ancestral será lançado em Pernambuco
Documentário estreia nesta quinta-feira (22/5), na Praça do Trabalhador, às 19h. Evento vai contar com roda de debate e distribuição de pipoca

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Na Zona da Mata Norte de Pernambuco, o canto é mais que música: é oração, é despedida, é batismo. Desde tempos remotos, é com a voz das mulheres que se anuncia o luto e a festa, a reza e o nascimento, a chuva e a saudade.
As cantadeiras são guardiãs dessas memórias sonoras. Invisibilizadas pela história oficial, seus cantos ecoam por gerações entre terreiros, cozinhas, quintais e rituais. Agora, pela primeira vez, elas ganham as telas do cinema.
Nesta quinta-feira (22/5), a cidade de Tracunhaém será palco da estreia do curta-metragem "Cantadeiras de Tracunhaém", que reúne histórias de sete mulheres negras, na faixa de idades entre 22 e 98 anos, para celebrar uma tradição ancestral da cantoria.
A exibição será gratuita, ao ar livre, na Praça do Trabalhador Rural, no Bairro Novo, das 19h às 21h, com estrutura de acessibilidade, pipoca, cadeiras e uma roda de conversa com o público.
Dirigido por Silvia Ribeiro, Cintia Viana, Helena Tenderini e Amandine Goisbault, o filme nasceu de um gesto de amor: realizar o antigo desejo da avó de Silvia, Maria Lopes, de ser reconhecida como artista. “Minha avó cantava em tudo: nas rodas de saudade, nos almoços, nos domingos.
Ela dizia que um dia ainda seria famosa, mesmo sem nunca ter pisado em um palco. E ela estava certa disso quando o público soubesse o quanto ela era criativa para compor e cantar. Tudo na vida de minha avó era motivo para virar uma música”, conta, emocionada, a diretora.
Maria Lopes faleceu em 20 de abril, há pouco mais de um mês, dois dias antes de completar 77 anos. Sua morte atravessa o filme, que começa com a neta ao seu lado. É dela o fio que conduz a narrativa.
E é também dela a urgência que levou a equipe a registrar outras mulheres da cidade antes que a memória dessa importante história da cultura oral também se calasse.
Além de Maria, outra personagem da obra audiovisual faleceu antes da estreia. Trata-se de Dona Chiquinha, aos 98 anos, rezadeira e fã de Carmen Miranda, que curava pessoas e animais com as mãos e a fé. Ela deixou o palco da vida em janeiro deste ano. Apesar do roteiro da vida real ter tirado elas do plano real, ambas permanecem vivas no documentário.
As demais cantadeiras reveladas pelo filme trazem, em suas trajetórias, diferentes formas de conexão com a música e com a ancestralidade. Rogerete, mulher trans, preta, mãe de santo e rezadeira, canta há mais de 40 anos para seus orixás. Helena, 49, é parteira e encontrou na reza e na capoeira sua forma de libertação.
Dona Zefinha, 83, aprendeu a rezar com a mãe e até hoje recebe fiéis em busca de cura espiritual. Maria do Coco, 65, fundou com a filha o Coco Panela de Barro, único coco de terreiro da cidade, e compõe suas próprias músicas. Fernanda, com apenas 22 anos, é uma das poucas mulheres mestras de maracatu de baque solto no estado.
"Cada uma delas carrega uma força própria. Elas cantam para sustentar a fé, a casa, o corpo. Cantam porque sempre cantaram. O que faltava era escuta", diz Silvia, feliz por estar documentando uma parte importante da memória social e cultural das mulheres da cidade onde nasceu e vive.
As filmagens levaram um mês de pré-produção e uma semana de gravações, com roteiro construído em diálogo com as personagens. A trilha sonora é feita pelas próprias cantadeiras. A equipe, majoritariamente feminina, cuidou da iluminação, da arte e da escuta.
"Foi um processo de criação e reparação. De devolver a essas mulheres o que sempre foi delas: o direito de serem vistas", acrescentou Silvia Ribeiro, que também é produtora cultural e idealizadora do projeto.
O projeto foi contemplado pela Lei Paulo Gustavo Pernambuco e conta com apoio do Governo do Estado, da Secretaria de Cultura, do Ministério da Cultura, da Prefeitura de Tracunhaém e da Secretaria Municipal de Cultura.
Serviço
O que: Filme sobre mulheres negras que usam o canto como força ancestral será lançado no interior de Pernambuco
Quando: Quinta-feira, 22 de maio
Onde: Praça do Trabalhador, Bairro Novo, Tracunhaém
Quanto: Gratuito