Festival de Cannes: entenda como é o sistema da premiação mais prestigiada do cinema e como são escolhidos os vencedores

Muito além do tapete vermelho, o Festival de Cannes tem regras próprias, júri exclusivo e um sistema único de seleção e premiação.

Publicado em 21/05/2025 às 22:35
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Todos os anos, em maio, a cidade litorânea de Cannes, na Riviera Francesa, se transforma no epicentro do cinema mundial.

Por quase duas semanas, estrelas de Hollywood e do cinema internacional dividem espaço com cineastas autorais, jornalistas do mundo inteiro e multidões de fãs na famosa Croisette — a avenida à beira-mar que leva direto ao Palais des Festivals, onde os filmes mais aguardados da temporada são exibidos em primeira mão.

Mais do que um desfile de celebridades ou uma vitrine de filmes aclamados, o Festival de Cannes é, há quase oito décadas, um dos eventos culturais mais influentes do mundo.

Ele pode até parecer apenas uma premiação glamourosa — e, de fato, é —, mas seu funcionamento é bem mais complexo do que a cobertura dos tapetes vermelhos costuma mostrar.

Como os filmes são selecionados? Quem decide quem ganha a Palma de Ouro? E quais são exatamente as categorias da competição?

O Festival de Cannes foi fundado oficialmente em 1946, no cenário pós-Segunda Guerra Mundial, com um objetivo claro: celebrar a liberdade artística e resistir à influência política que havia contaminado outros festivais, como o de Veneza, durante os anos do fascismo.

A ideia havia surgido ainda antes da guerra, por iniciativa do francês Jean Zay (então Ministro da Educação e Belas Artes), mas os conflitos adiariam sua estreia.

Desde então, Cannes se estabeleceu como um espaço de afirmação artística, onde obras provocadoras, inovadoras ou de forte cunho político-social encontraram visibilidade global.

Ao longo dos anos, o festival se tornou sinônimo de prestígio e consagrou diretores como Quentin Tarantino, Jane Campion, Pedro Almodóvar e Bong Joon-ho — além de ser palco de vaias históricas, aplausos de pé e debates acalorados.

Quantos filmes participam e como eles são escolhidos?

Cannes recebe milhares de inscrições todos os anos, e apenas uma fração dos filmes é selecionada para a mostra oficial.

Em 2025, por exemplo, 22 filmes integram a Competição Oficial, disputando a cobiçada Palma de Ouro.

Os critérios de seleção envolvem originalidade, relevância artística, ineditismo e, claro, a visão dos curadores do festival, comandados atualmente por Thierry Frémaux, delegado geral do evento.

Além da competição principal, o festival possui outras seções, como:

  • Un Certain Regard – voltada a obras mais experimentais ou de novas vozes do cinema.
  • Fora de Competição – filmes exibidos sem concorrer à Palma de Ouro.
  • Sessões Especiais – homenagens, estreias e documentários.
  • Cinéfondation – dedicada a curtas e médias-metragens de escolas de cinema.
  • Curtas em Competição – com sua própria Palma de Ouro.
  • Quinzena dos Realizadores e Semana da Crítica – seções paralelas independentes, mas também relevantes.

Como funciona a programação dos filmes em Cannes?

Durante o festival, os filmes não são exibidos apenas uma vez. Cada título ganha uma estreia com tapete vermelho — a famosa première — e, a partir daí, passa a integrar a programação como se fosse uma verdadeira grade de cinema.

Todos os dias, salas diferentes exibem os filmes selecionados em diversos horários, permitindo que jornalistas, jurados, convidados e o público credenciado escolham o que assistir ao longo da maratona.

É comum que um mesmo longa seja exibido em sessões matinais, vespertinas e noturnas, espalhadas por salas como o Grand Théâtre Lumière, a Debussy e outras menores no Palais e arredores.

Essa dinâmica transforma Cannes em um grande circuito cinematográfico temporário, onde as ruas respiram cinema 24 horas por dia.

Como funciona o júri?

A cada ano, um júri internacional é montado para avaliar os filmes da competição. Ele é composto por figuras relevantes do cinema — diretores, roteiristas, atores e produtores — de diferentes países.

A presidência do júri costuma ser ocupada por um nome de peso: já passaram pelo cargo artistas como Cate Blanchett, Spike Lee, Pedro Almodóvar, Greta Gerwig, e em 2025, Juliette Binoche.

Esse júri é responsável por assistir a todos os filmes da competição e deliberar sobre os prêmios.

O processo é feito com total sigilo: após as sessões, os jurados se reúnem em encontros privados, onde votam e discutem intensamente até chegarem aos vencedores.

Importante: o júri é obrigado a distribuir pelo menos sete prêmios principais:

  • Palma de Ouro (melhor filme)
  • Grand Prix (segundo lugar da competição)
  • Prêmio do Júri
  • Melhor Direção
  • Melhor Roteiro
  • Melhor Atriz
  • Melhor Ator

A Palma de Ouro só pode ser dada a um único longa — e o filme premiado não pode receber, ao mesmo tempo, outro dos prêmios principais (como direção ou roteiro). Isso evita concentrações excessivas de prêmios em um único título.

É só uma premiação?

Definitivamente, não.

Cannes é uma mistura de festival de cinema, mercado audiovisual e evento social. Paralelamente à exibição dos filmes, acontece o Marché du Film, um dos maiores mercados cinematográficos do mundo, onde distribuidores, produtores e agentes negociam estreias, coproduções e contratos internacionais.

Além disso, o festival funciona como um grande holofote para os lançamentos do segundo semestre.

Filmes premiados em Cannes ganham fôlego para chegar ao Oscar, ao BAFTA ou aos prêmios independentes — e nomes que surgem ali costumam dominar as manchetes nos meses seguintes.

Por que Cannes ainda importa?

Em um cenário cada vez mais dominado por streamings e algoritmos, Cannes continua sendo um espaço onde o cinema é visto como arte antes de produto.

Seu prestígio vem do cuidado com a curadoria, da diversidade de vozes que abriga e da força simbólica que uma Palma de Ouro ainda representa na trajetória de um filme.

A cada edição, Cannes reafirma seu papel como guardião da liberdade criativa e como vitrine para o que há de mais relevante, ousado ou surpreendente no cinema contemporâneo.

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