'Ritas' promete desvendar as brechas da vida de Rita Lee com depoimentos inéditos

O documentário traz um processo de "arqueologia pessoal" da vida da artista, relembrando sua trajetória por meio de entrevistas, shows e depoimentos

Publicado em 19/05/2025 às 22:11
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Se o substantivo ‘caleidoscópio’ fosse, na verdade, um adjetivo, talvez Rita Lee fosse a pessoa mais adequada para se descrever utilizando-o. Colorida, iluminada e complexa, Rita pode ser um signo perfeito para representar esse instrumento ótico, que alucina os olhos com padrões visuais diversos em cor e formato. O documentário Ritas busca captar essa aura multifacetada da artista, que foi cantora, compositora, escritora, ícone, mas que, acima de tudo, foi mulher, foi indivíduo.

A obra consiste no primeiro longa-metragem de Oswaldo Santana, que já trabalhou como montador em projetos conhecidos, como os filmes Tropicália e Bruna Surfistinha, além da recente série da Turma da Mônica. Karen Harley, que assina como codiretora de Ritas, também não é um nome inédito para os fãs de cinema brasileiro, tendo trabalhado com autores como Cláudio Assis e Marcelo Gomes e atuado na montagem do sucesso Que Horas Ela Volta?.

Ritas constrói uma espécie de acervo, que reúne trechos de entrevistas, shows, fotografias e registros de Rita Lee, em momentos diversos da sua vida. Não há uma ordem temporal definida na montagem do documentário. Aqui, a linha do tempo começa no início de sua carreira, mas vai e volta. As memórias da artista se encaixam sem barreiras momentâneas, girando em torno de um determinado tema.

E sobre os temas, o filme tem muitos para explorar. Durante cerca de uma hora e 20 minutos, espectamos momentos de glória e frustração, pitadas de romance, histórias sobre drogas e prisão, registros aconchegantes e reflexões da própria cantora, editadas de uma forma bem dinâmica e cativante. Mesmo quem tem pouca familiaridade com sua música e sua trajetória consegue, de alguma forma, se conectar com Rita, o que é, claro, também mérito da montagem, mas ela tem a sorte de contar com uma fonte tão magnética.

Ritas estreia em 22 de maio, quando se comemora o Dia de Rita Lee na cidade de São Paulo.

Divulgação/Biônica Filmes
Cartas do filme 'Ritas', que estreia em 22 de maio nos cinemas - Divulgação/Biônica Filmes

Ilustrações em movimento

Um dos maiores destaques de Ritas são os desenhos e animações que se integram à narrativa montada. São artes inéditas, trabalhadas por Ricardo H Fernandes e Gabriel Bitar, que fazem jus ao conjunto de facetas de Rita Lee. A própria analogia do caleidoscópio é utilizada pelas ilustrações, evocando uma espécie de hipnose divertida e criativa, que tem tudo a ver com a proposta do documentário.

Mesmo sem fazer parte, em si, da história de Rita, a arte do longa-metragem faz a diferença na narrativa contada, conjurando as metamorfoses da artista, seja no palco, seja na vida pessoal. Os desenhos trazem elementos coloridos, musicais e místicos, além de remeter a gostos e vivências mais íntimas da cantora, como seu amor por animais e sua relação com as drogas.

Uma arqueologia de momentos icônicos

Fãs e não fãs de Rita Lee devem se lembrar de alguns momentos marcantes — e polêmicos — que fizeram parte da sua carreira e furaram a bolha dos entusiastas de MPB. Um deles, quando ela roubou um ‘selinho’ de Hebe Camargo na estreia de seu próprio programa, até fez história: virou o primeiro de uma tradição. Desde então, a apresentadora tornou seus ‘selinhos’ uma marca registrada de sua atração na televisão.

Em outro momento, Rita reclama com um PM que procurava drogas entre o público de um show em Sergipe. No palco, artista critica a atitude do profissional e defende o uso da maconha por parte de seus espectadores. Mais adiante, ela teve de pagar uma indenização ao policial. Situações como essa ajudaram a moldar a persona de Rita Lee, geraram amor e ódio e consolidaram sua imagem perante seus fãs.

Esses e mais acontecimentos aparecem em Ritas, como parte da identidade rebelde e atrevida da cantora. Embora o documentário prometa a visualização de uma Rita que ninguém jamais viu, grande parte dele recorda seus momentos já conhecidos. Isso não é, em si, um demérito, até porque o filme possui, de fato, algumas imagens inéditas. Mas, talvez, quem já acompanhe a artista se decepcione com poucas coisas novas a descobrir.

Uma singularidade

Divulgação/Biônica Filmes
Ritas estreia em 22 de maio, quando se comemora o Dia de Rita Lee na cidade de São Paulo. - Divulgação/Biônica Filmes

Rita foi, inegavelmente, uma mulher singular. No longa, é possível perceber e comprovar essa característica do começo ao fim. Os primórdios da sua carreira, no rock, já representaram a quebra de um paradigma, afinal, onde já se viu uma mulher fazer o tal do rock n’ roll, adotar comportamentos rebeldes e ser explicitamente tão ela mesma naquela época? Mesmo hoje, sua atitude parece à frente do tempo.

E não foi só na juventude que a artista se mostrou alternativa. Ao abraçar a velhice como abraçou, ao verbalmente reconhecê-la como um lindo privilégio, Rita foi de encontro ao tabu do envelhecimento feminino, que se faz mais e mais presente na mentalidade imposta às mulheres. Enquanto rugas e fios brancos são demonizados, ela compara seus cabelos à luz da lua.

Na cosmologia, singularidade descreve um espaço que nega as leis da física. Talvez, além de caleidoscópio, Rita também seja singularidade.

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