Fernanda Montenegro brilha em "Vitória", mas o longa conquista menos que o esperado
Com estreia prevista para o dia 13 de março, "Vitória" é inspirado em uma história real e aborda a coragem, a força e a resiliência de uma mulher

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*Esta matéria contém spoilers
O longa-metragem "Vitória", dirigido e produzido por Andrucha Waddington e Breno Silveira, chega aos cinemas em uma narrativa emocionante baseada em uma história real e protagonizado pela nominada ao Oscar Fernanda Montenegro.
Com estreia prevista para 13 de março em todos os cinemas, com classificação indicativa para maiores de 16 anos, o filme aborda como Nina desmontou uma quadrilha de traficantes e policiais a partir de gravações feitas da janela do seu apartamento, no Rio de Janeiro.
A idosa teve ajuda de um amigo jornalista Flávio Godoy (Alan Rocha), enfrentando riscos e perigos da exposição à situação inimaginável. O longa promete buscar reflexão sobre a coragem, a força e a resiliência de uma mulher.
Além de nomes de peso como Fernanda Montenegro, o elenco também conta com Alan Rocha, Linn da Quebrada, Thawan Lucas e Leila Garin.
Uma pessoa comum fazendo a diferença
O filme se passa em 2005 e é baseado na solitária vida da idosa Nina, que trabalha como massoterapeuta no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro. A vida de Dona Nina é tranquila, ela não é uma pessoa que tem problemas com outros moradores da vizinhança e do prédio em que morava.
A premissa do filme se dá ao fato de que Nina morava atrás da boca de um morro dominado por traficantes. O incômodo da senhora começa a fazer presente no filme quando a falsa realidade da vida tranquila é desmontada por tiroteios e gritos de socorro das pessoas da comunidade durante as noites.
Reuniões de condomínio são realizadas, mas não são atreladas ao fato de que os moradores não conseguem dormir à noite devido aos traficantes atirando por todos os lados. Acaba que, em meio a tragédia que é viver perto de uma boca, questões como vazamento de água no prédio se tornam insignificantes e mascaram o real problema, segundo a personagem de Montenegro.
Nina luta para que os síndicos a ajudem a fazer com que aquela situação termine, mas os moradores não estão preocupados o suficiente para tentar mudar, pois, segundo eles, isso é trabalho da polícia. E, de fato, é. O problema é que, ao decorrer do filme, é mostrado que policiais também estavam envolvidos com o tráfico.
Por não aguentar mais, a idosa acaba adquirindo uma câmera e começa a gravar, através da janela, que dá de frente ao principal ponto dos traficantes, o que ocorria nas noites do morro. Ao entregar as fitas para a polícia, ela percebe que eles não iriam a ajudar.
Então, Nina resolver procurar a inspetora Laura Torres (Laila Garin) para entregar as mesmas fitas. É aí que o jornalista Flávio Godoy (Alan Rocha) consegue assistir aos materiais e procurar a idosa para publicar uma matéria.
Quando os dois se encontram no apartamento, o repórter percebe que não estava lidando com qualquer reportagem e que aquilo poderia afetar diretamente a vida de Nina, e também a própria vida de Godoy. A inspetora entra em cena para investigar e promete proteção à testemunha para Nina, mas a idosa resiste em abandonar a vida que tinha em prol da investigação.
A virada de chave acontece quando Marcinho (Thawan Lucas), uma criança muito próxima de Nina que a ajudava nas compras, acaba se envolvendo com o tráfico, por mais que a idosa o aconselhasse a caminhos muito melhores que aquele.
Marcinho começa a se envolver com drogas e roubos, e quando ele é preso por vender substâncias ilegais aos turistas, Nina percebe que precisa deixar a polícia agir o mais rápido possível, visto que a inspetora acordou que só iria pegar o mandado de prisão quando a idosa conseguisse vender a casa.
O longa mostra que, por mais que uma só pessoa não mude o mundo, ela pode começar a fazer a diferença. Desmascarar, praticamente sozinha, uma quadrilha, na qual ninguém tinha coragem de denunciar, não é algo que acontece todos os dias. Além do fato de precisar sumir em prol de um bem maior.
Ao hesitar em mudar de nome e sair da própria casa, a personagem de Fernanda Montenegro diz o seguinte: "Eu tenho que morrer para não ser morta?". O dilema de desistir da própria identidade é um dos pontos mais legais do filme e que talvez pudesse levar Nina a voltar na decisão da investigação. A história trabalha a coragem da personagem ao vencer o medo de desaparecer não só fisicamente, mas também na memória coletiva.
O momento da investigação e as questões de proteção às testemunhas convidam o telespectador a refletir sobre até que ponto estamos dispostos a sacrificar de nós mesmos para apostar naquilo que seria de bem comum à sociedade.
Roteiro e direção deixam a desejar
Apesar de existir cenas em que tocam o coração do telespectador, parece faltar algo na execução. A atuação de Fernanda Montenegro consegue destacar um roteiro que, de início, mostra ser pobre e amador, nos quais os pontos altos são cenas em que é inevitável se chocar.
Andrucha Waddington faz um bom trabalho ao dirigir uma narrativa tão delicada, mas o roteiro construído pode ter atrapalhado o trabalho do diretor. Momentos nos quais o telespectador deveria prender a respiração de tanta tensão, acabam se tornando cenas comuns que tentam tirar reações maiores de um público que está acostumado com algo muito pior.
As cenas dos tiroteios à noite, em que um tiro ultrapassa a janela da personagem Nina, perfurando uma parede, ou que uma das colegas do prédio de Nina, Bibiana (Linn da Quebrada), é atingida dentro da própria casa, são levadas com leveza, como se aquilo não fosse desesperador.
Por mais que Montenegro tenha uma atuação digna de Fernanda Montenegro, o roteiro não faz jus aos demais atores, fazendo com que eles tenham um desempenho muito menor em comparação à atriz de 95 anos, com tanta experiência.
A maneira na qual o longa foi mostrado faz parecer que o roteiro tenha sido pensado visando apenas a vida da personagem principal, esquecendo que os personagens secundários também são importantes para fortalecer uma narrativa.
É gritante a diferença da atuação da Montenegro para com os outros atores do elenco, não só pela carga que a atriz carrega, mas por não explorar tão bem outras perspectivas de quem cercava e fazia parte da vida de Dona Nina.
Colocar atores tão distantes de uma maneira tão amadora acaba empobrecendo o filme, a níveis de que não parece que Andrucha é o mesmo diretor de "Sob Pressão" (2017), "Eu, Tu, Eles" (2000), inclusive vencedor do Prêmio Grande Otelo do Cinema Brasileiro, e "Casa de Areia" (2005), também interpretado por Fernanda Montenegro e Fernanda Torres.
Polêmica da cor dos personagens e a proteção às vítimas
Uma polêmica que circula o filme é o fato da personagem de Fernanda Montenegro ser uma mulher preta, diferente da atriz. Por mais que a crítica da escolha dos atores seja válida, o filme começou a ser idealizado e produzido em 2022, quando a identidade de Joana da Paz, verdadeiro nome de Nina, ainda não tinha sido revelada.
Como a investigadora explica no filme, o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (PROVITA) oferece acolhimento, transferência de residência, reinserção social, subsídios mensais para alimentação, transporte e cuidados pessoais e apoio no acesso seguro às políticas públicas. O caso ocorreu em 2005, e, como citado no filme, foi mostrado que a idosa poderia nunca mais usar a verdadeira identidade ou ser identificada.
Joana da Paz foi descoberta e jurada de morte pelos traficantes, e isso gerou uma preocupação ainda maior de proteger as informações que pudessem facilitar a identificação da idosa. A idosa morreu em 2023, quando o filme já estava sendo gravado.
Na época, o filme era dirigido por Breno Silveira - que faleceu durante as gravações ainda em 2022 e foi substituído pelo cineasta Andrucha Waddington - que não viu problema em escalar uma mulher branca para o papel, visto que ainda não se sabia quem era Joana. O mesmo ocorreu com o jornalista Fábio (interpretado por Alan Rocha), homem branco, por medo de que as informações ajudassem a identificar as pessoas envolvidas.
Além das cores dos personagens, a mudança dos nomes também foi um ponto a ser protegido: Joana é Nina, e Fábio Gusmão é Flávio Godoy.
Confira ao trailer de "Vitória"