Samba-enredo da Viradouro 2025: "Malunguinho, o mensageiro de três mundos" é inspirado em pesquisa de professor da UFPE
Viradouro exalta Malunguinho no Carnaval 2025: enredo celebra resistência afro-indígena e a força da Jurema, a partir de estudo da UFPE

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Pernambucano, mensageiro bravio!, diz o trecho que antecede o refrão do samba-enredo da Viradouro, em exaltação a Malunguinho, líder Quilombola do Catucá, refúgio em Pernambuco, tema de pesquisa do professor Marcus Carvalho, do Departamento de História, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
"Malunguinho: o Mensageiro de Três Mundos", ao entrar na avenida, será um mergulho na resistência e cultura afro-indígena. A temática foi escrita pelo professor há mais de 30 anos. A agremiação desfilará na Marquês de Sapucaí, na madrugada do domingo (2) para segunda (3), à 1h da manhã.
Outros 40 pais e mães de santo da Jurema, além do próprio docente, estarão no Rio de Janeiro para atravessar a sapucaí pela agremiação.
"É um enredo afro-indígena, um enredo negríndio. Misturamos essas duas culturas em um personagem, não existe nada mais brasileiro”, diz o carnavalesco Tarcísio Zanon ao RJ1.
O enredo também trará a força da ancestralidade, com alas homenageando a mãe natureza e a resistência cultural dos povos oprimidos, a partir de Malunguinho, que se encantou em três entidades: o caboclo da mata, mestre juremeiro e o guardião das encruzilhadas.
"Quando eles [Viradouro] foram pesquisar sobre o tema, me encontraram. Porque a descoberta do Malunguinho é minha. O Malunguinho carnal, para usar uma linguagem da Jurema, que teve uma existência carnal, uma existência concreta, como nós todos", disse Marcus Carvalho.
O estudo de Malunguinho: o Rei da Mata que mata quem mata o Brasil
Durante o doutorado, no final dos anos 80, Marcus pesquisava sobre o período da Independência do Brasil em Pernambuco. A partir daí, surgiu o interesse sobre o processo em que os Cavalcantes ascenderam e tomaram o poder no estado.
A partir da leitura de documentação da época da independência, o maior problema da ordem pública era o Quilombo do Catucá.
"Catucá, na verdade, é o nome de um conjunto de matas que saía, vamos dizer assim, do que hoje em dia é o bairro de Dois Irmãos e ia serpenteando entre engenhos da Zona da Mata Norte, passava por Goiânia, até o estado da Paraíba. Ali havia imensos grupos de quilombolas", aponta o pesquisador.
Marcus ainda detalha que houve um problema na documentação, que não era dos quilombolas e, sim, das pessoas que invadiam essas terras para matá-los. "É escrita por seus algozes", segue o docente.
"Depois de algum tempo de estudo começa, então, a aparecer o nome do principal líder: Malunguinho. Os registros identificam que o último Malunguinho, o rei das matas do Catucá, foi João Batista, morto em 1835", continua Marcus.
O professor ainda diz em entrevista à Adufepe que a palavra "malungo" é conhecida pelos estudiosos da escravidão não só no Brasil, como na Jamaica e no Haiti, porque era como chamavam as pessoas trazidas da África no mesmo navio negreiro.
"Então, se duas pessoas vieram para o Recife no mesmo navio negreiro, elas são malungos, uma espécie de irmandade, um vínculo simbólico, um parentesco simbólico", explica.
O docente diz que a Jurema é a mais brasileira das religiões, porque tem a origem na pajelança indígena. E que o vínculo da religião com Malunguinho é direto. Ele é o Rei das Matas e quem abre os caminhos.
Sobre o estudo, o professor não esconde o orgulho em ter um samba-enredo falando de um herói brasileiro descoberto por ele.
"Esse é o grande sonho do historiador: que o seu trabalho sirva de alguma forma para o povo brasileiro e serviu. Deixou de ser meu. Ganhou domínio público. Até que ele chegou no Rio de Janeiro, de repente, na Viradouro. Juremeiros, muita gente da Umbanda, de terreiro, no Rio que ficaram encantados com a ideia de uma entidade, que foi um líder quilombola", comenta o professor Marcus, à Adufepe.
SAMBA-ENREDO DA VIRADOURO | MALUNGUINHO – O MENSAGEIRO DOS TRÊS MUNDOS
- Autores: Paulo César Feital, Inácio Rios, Marcio André Filho, Vaguinho, Chanel, Igor Federal e Vitor Lajas.
- Intérprete: Wander Pires
Acenda tudo que for de acender
Deixa a fumaça entrar
Sobô Nirê Mafá, Sobô Nirê!
Evoco, desperto nação coroada
Não temo o inimigo
Galopo na estrada
A noite é abrigo
Transbordo a revolta dos mais oprimidos
Eu sou caboclo da mata do Catucá!
Eu sou pavor contra a tirania!
Das matas, o Encantado
Cachimbo já foi facão amolado
Salve a raiz do Juremá!
Ê, juremeiro! Curandeiro, ó!
Vinho da erva sagrada
Eu viro num gole só
Catiço sustenta o zeloso guardião
Trago a força da Jurema
Não mexe comigo, não!
Entre a vida e a morte, encantarias
Nas veredas da encruza, proteção
O estandarte da sorte é quem me guia
Alumia minha procissão
Do parlamento das tramas
Para os quilombos modernos
A quem do mal se proclama
Levo do céu pro inferno
Toca o alujá ligeiro,
Tem coco de gira pra ser invocado
Kaô, consagrado!
Reis Malunguinho, encarnado
Pernambucano, mensageiro bravio
O rei da mata que mata quem mata o Brasil! (bis)
A chave do cativeiro
Virado no Exu Trunqueiro
Viradouro é Catimbó!
Viradouro é Catimbó!
Eu tenho corpo fechado
Fechado, tenho meu corpo
Porque nunca ando só
(Porque nunca ando só!)