"O Auto da Compadecida 2" emociona e traz a essência de Suassuna em forma de nostalgia
O longa-metragem, dirigido por Flávia Lacerda e Guel Arraes, promete emocionar e divertir o público neste Natal, com lançamento nos cinemas dia 25/12

*Esta matéria contém spoilers
Após longos 24 anos do lançamento de um clássico baseado na obra de Ariano Suassuna, "O Auto da Compadecida 2" chega para trazer de volta a dupla mais amada do cinema brasileiro: João Grilo e Chicó.
João Grilo (Matheus Nachtergaele) retorna à pequena cidade em que morava para se juntar ao seu velho companheiro Chicó (Selton Mello). Acontece que agora ele é recebido como uma celebridade na cidade.
Disputado como principal cabo eleitoral pelos dois políticos mais poderosos da cidade, ele faz de tudo para finalmente aplicar o golpe que vai lhe render muito dinheiro e, quem sabe, a tão sonhada vida mansa. Só que nada sai como planejado e ele terá que recorrer à Compadecida novamente.
Com estreia prevista para o dia 25 de dezembro em todos os cinemas, com classificação indicativa para maiores de 10 anos, o longa promete emocionar o público e trazer a essência da obra do dramaturgo paraibano de forma divertida, leve e saudosista.
Por mais que o primeiro filme não tenha dado abertura a uma continuação, os diretores Flávia Lacerda e Guel Arraes conseguem conquistar o coração dos fãs da obra com a inesperada segunda parte do Auto.
A história se passa 20 anos após a ressurreição de João Grilo, ainda na cidade de Taperoá, interior da Paraíba. A situação não é a das melhores para o povo do sertão, apesar dos anos passados. Chicó consegue uma maneira de sustento ao contar "o milagre da ressurreição de João Grilo" em forma de poema.
Já triste e conformado por todo o tempo que não fazia ideia do paradeiro do amigo, em uma noite qualquer, João Grilo aparece para Chicó e o filme se desenrola a partir desse momento.
O Auto da Compadecida 2 traz a adição de novos personagens, como Clarabela (Fabiula Nascimento), filha do Coronel Ernani (Humberto Martins), Arlindo (Eduardo Sterblitch) e Antônio do Amor (Luis Miranda), que deixam a história muito mais divertida e caricata.
Assim como no primeiro, a questão da devoção aos santos é colocada como um dos elementos principais do filme. Os amigos, principalmente João Grilo, são muito devotos à Compadecida, com Taís Araújo assumindo o papel anteriormente interpretado por Fernanda Montenegro.
Referências à obra original
Como se sabe, O Auto da Compadecida teve um desfecho. Agora, o segundo filme parece ter como objetivo principal provocar um sentimento de nostalgia carregado de emoção no público que já conhecia e amava a obra.
É quase impossível não se emocionar com as clássicas cenas referenciadas ao decorrer do longa-metragem. Frases como "não sei, só sei que foi assim", ditas por Chicó após uma das mentiras mais verdadeiras do personagem, ou como João Grilo, mais uma vez, morrendo e voltando dos mortos após pedir a misericórdia da Compadecida, conquistam o público da forma mais nostálgica possível.
O cenário e as roupas dos personagens continuam da forma mais caricata possível, retratando a pobreza do sertão com a maestria que Suassuna fez na sua obra. Mas, desta vez, há uma mistura de pessoas da cidade com as pessoas que vivem na seca e os dois mundos acabam se fundindo.
Por mais que isso seja retratado de forma que foi, mesmo após 20 anos dos ocorridos em O Auto da Compadecida, parece que os diretores quiseram preservar o conjunto da obra para que o público se identifique ainda mais com o segundo filme. Afinal, foi divulgado como um presente para os fãs.
Querer atualizar a cidade, ou até mesmo os personagens como um todo, seja por falas, comportamentos ou roupas, poderia acabar provocando um efeito contrário ao que estava sendo esperado: a conexão do público com a obra.
O julgamento de João Grilo
Um dos pontos altos, podendo-se dizer que, para alguns, é o ponto mais alto do filme, é a clássica e famosa cena em que João Grilo é assassinado por Cabra (Enrique Diaz), capanga do coronel Severino, no primeiro filme. Na continuação, por uma coincidência pensada pelos diretores, o mesmo capanga acaba tirando, novamente, a vida de João Grilo.
Na narrativa passada, as mentiras e aventuras do personagem com ajuda do amigo Chicó acabam o levando a um fim trágico. Nessa, não é diferente. O cenário é o seguinte: o Coronel Ernani e Arlindo, locutor de rádio da cidade, estão disputando as eleições para prefeito da cidade de Taperoá.
O personagem de Nachtergaele, sempre malandro, tenta tirar algum proveito disso, mas acaba se complicando enquanto apoiava os dois candidatos em segredo.
Ao pedirem que ele assuma um lado, João Grilo acaba se tornando o terceiro candidato às eleições, mas os outros dois não aceitam tão bem. Assim, para deixar a candidatura, o personagem faz com que as pessoas da cidade não mais acreditem que ele passou por um milagre.
E, da mesma forma que no primeiro filme, ele trama fingir uma ressurreição com Chicó, mas acaba levando um tiro de verdade. João Grilo passa por um julgamento com o Diabo como acusador e Jesus como o juiz, assim como na outra obra.
O diferencial em O Auto da Compadecida 2 é que tanto o Diabo como Jesus assumem a forma do próprio João Grilo, em uma maneira a dizer que nenhuma pessoa é totalmente boa, nem totalmente ruim. Com o desfecho sendo muito parecido ao do primeiro filme, a Compadecida se compadece, mais uma vez, pelo personagem e ajuda com que ele volte à vida.
O julgamento atual, por mais que seja uma cena clássica, traz o sentimento de estar assistindo a tudo como se fosse a primeira vez, sentindo e esperando que o desfecho de João Grilo seja diferente do que está sendo.
A despedida de Chicó e João Grilo
Com certeza, a última cena é uma das mais emocionantes do longa. João Grilo consegue, por fim, fingir que morreu na frente da população e foge da cidade mais uma vez. Rosinha (Virgínia Cavendish), esposa de Chicó, agora caminhoneira, é quem vai transportar o personagem.
O público observa ao que parece ser a última interação dos amigos de uma forma de partir o coração. A cena é repleta de uma leveza carregada de amor, irmandade e compreensão, tudo o que representa a amizade dos dois. O famoso "acho que caiu um cisco no meu olho" é retratado de uma maneira em que a opção de não se emocionar junto é quase nula.
Esse desfecho é o que os fãs precisavam para se reconectar com a obra mais uma vez, juntando os que acompanharam o lançamento no ano 2000, os que assistiram ao longo dos últimos 24 anos e os que estão conhecendo agora. O presente para os fãs acaba se tornando, de certa forma, um presente para o cinema brasileiro também.
Quando uma obra é finalizada, sem dar ideias de uma possível continuação, normalmente o público não consegue abraçar a ideia, por pensar que podem estragar aquilo que já está tão certo e fechado, com os devidos pingos nos "is".
O Auto da Compadecida 2 chega para desmistificar um pouco a ideia de não continuar aquilo que já estava finalizado. Precisava? Talvez não. Mas, agora que temos, consegue honrar a obra original e o próprio Ariano Suassuna de uma forma sutil, divertida e que, com toda certeza, também será lembrada.
Assista ao trailer: