Morre J.Borges, mestre da xilogravura nordestina

Xilogravurista pernambucano, ícone da cultura popular, J.Borges fez parte do legado da cultura de Pernambuco durante toda sua carreira.

Publicado em 26/07/2024 às 8:06 | Atualizado em 26/07/2024 às 12:27

Nesta sexta-feira (26), morreu José Francisco Borges, mundialmente conhecido como J.Borges, aos 88 anos. O artista era reconhecido pelo seu trabalho como xilogravurista.

Segundo relatos de familiares, ele havia passado cerca de 15 dias internado devido a uma infecção na perna. No entanto, optou por receber cuidados em casa.

J.Borges foi inicialmente internado no Hospital Jesus Pequenino, no entanto, faleceu em casa em decorrência de uma parada cardíaca.

Quem era J.Borges?

José Francisco Borges, conhecido como J. Borges, nasceu em 20 de dezembro de 1935 no Sítio Piroca, zona rural de Bezerros, Pernambuco. Filho do agricultor Joaquim Francisco Borges, J. Borges foi influenciado pelas histórias contadas pelo pai, que despertaram seu interesse pela poesia de cordel.

HERMES COSTA NETO/DIVULGAÇÃO
MOSTRA Xilogravurista expõe trabalhos numa mostra inédita, até o dia 30 de julho - HERMES COSTA NETO/DIVULGAÇÃO

Desde cedo, trabalhou na lavoura e em diversas ocupações. Aos 17 anos, migrou com a família devido à seca de 1952 e, em 1956, começou a vender cordéis.

Ao longo de sua carreira, J. Borges produziu 314 folhetos de cordel e inúmeras xilogravuras expostas em museus renomados, como o Louvre e o Museu de Arte Moderna de Nova York.

DANIELA NADER
Xilogravura J.Borges integra a Mostra Movimento Armorial 50 anos - DANIELA NADER

Ele também ilustrou livros de autores famosos e foi o único artista brasileiro convidado a participar do Calendário da ONU em 2002.

Recebeu diversos prêmios, incluindo a Comenda Ordem do Mérito Cultural e o Prêmio Arte na Escola Cidadã.

Autodidata e patrimônio vivo de Pernambuco, J. Borges dedicava-se a ensinar jovens e crianças em seu Memorial, que inclui um Museu da Xilogravura e ateliê.

Família e filhos

O artista também se destacou quando o assunto é família. Ao todo, J.Borges teve 24 filhos, 18 biológicos e 6 adotivos, dos quais muitos também optaram por seguir a carreira do pai.

Em entrevista ao O Globo, Pablo Borges, um dos filhos do artista, revelou que construiu uma oficina em Bezerros, em homenagem às obras da família.

"É importante ter uma intervenção num museu [...] Uma parte dele está aqui.", afirmou ao portal.

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
J. Borges foi considerado Patrimônio Vivo de Pernambuco em 2005 - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

Autoridades lamentam óbito de J.Borges

Desde o anúncio do falecimento de J.Borges, diversas autoridades prestaram homenagens ao artista, que deixou seu legado na cultura pernambucana.

Atráves de uma nota de pesar, a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, lamentou a morte do ícone popular.

"J. Borges levou Bezerros, o Agreste e Pernambuco para o mundo. E vai deixar uma saudade imensa. Mas a sua grandiosidade permanecerá aqui pelas mãos de seus filhos, discípulos e centenas de xilogravuras que representam tão bem a nossa cultura. Meus pêsames aos familiares e amigos."

Raquel Lyra
Governadora de Pernambuco

Confira na íntegra a nota de pesar da Prefeitura do Recife:

"A Prefeitura do Recife, por meio da Secretaria de Cultura e da Fundação de Cultura Cidade do Recife, lamenta a morte do xilógrafo, cordelista e poeta pernambucano José Francisco Borges, o eterno J. Borges, mestre maior e um dos precursores da xilografia no Brasil, que dedicou a vida inteira a arar na madeira o imaginário do povo nordestino, com seus mais autênticos temas e tipos, belezas e singelezas.

Patrimônio Vivo do Estado, J. Borges foi um dos maiores defensores da literatura de cordel, que ajudou a sagrar como uma das mais autênticas manifestações culturais do Nordeste. Com sensibilidade, humor e delicadeza, traduzia e satirizava os costumes e modos nordestinos em madeira e papel, cores vibrantes e traços únicos, que viraram sua marca registrada e o consagraram como uma espécie de embaixador cultural de sua gente, tendo percorrido o mundo inteiro com sua arte e sendo celebrado, reconhecido e premiado até pela Unesco.

'Mais que uma vasta e belíssima obra, J.Borges deixa uma estética como legado. O artista inaugurou uma forma de traduzir e celebrar a realidade nordestina, que para sempre será uma das mais fiéis linguagens a depor sobre as belezas da nossa cultura popular para o mundo inteiro entender quem somos e de onde viemos', afirmou a secretária de cultura do Recife, Milu Megale.

'Além de seu imenso talento, J. Borges tinha uma generosidade maior ainda. Estava sempre encontrando novos caminhos para dialogar com o futuro e transmitir sua arte para quem quisesse aprender, perpetuando seu jeito único de enxergar e celebrar o Nordeste para o mundo' acrescentou Marcelo Canuto, presidente da Fundação de Cultura Cidade do Recife."

O prefeito do Recife, João Campos, também prestou suas homenagens nas redes sociais.

"J. Borges gravou na madeira as histórias de um Nordeste realista, fantástico e armorial. Dono de um sorriso largo, era patrimônio de Pernambuco e gênio da cultura popular reconhecido no Brasil e no mundo.

As novas histórias de cordéis deverão contar, em breve, a generosidade e a sensibilidade em tudo que fazia. Sabia unir seu olhar singular para a vida com uma capacidade indecifrável de retratar versos.

Sempre que passava por Bezerros, no Agreste, fazia questão de vê-lo e de admirar a sua arte. A partida dele, deixa Pernambuco com o “coração na mão”, como ele mesmo gravou. Em toda parte, J. Borges vai deixar muita saudade."

O falecimento de J.Borges recebeu uma nota de pesar conjunta pelo Governo de Pernambuco, Secretaria Estadual de Cultua e a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe).

Morgana Narjara/Secult-PE/Fundarpe
Imagem do artista J.Borges com um chapéu de Pernambuco - Morgana Narjara/Secult-PE/Fundarpe

"É com imenso pesar que o Governo de Pernambuco, a Secretaria Estadual de Cultura e a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) lamentam o falecimento do incomparável artista J Borges.

Em reconhecimento merecido pela sua contribuição com a cultura popular, através da xilogravura e na arte do cordel, J Borges é - eternamente - Patrimônio Vivo de Pernambuco. Com a identidade visual de suas obras atrelada imediatamente às raízes pernambucanas, o artista levou o nome de Bezerros e de Pernambuco ao redor do mundo.

“Hoje a cultura pernambucana amanheceu de luto. Muito triste a partida de alguém que foi tão definidor para identidade cultural pernambucana como J.Borges. Perdemos hoje um dos maiores filhos do nosso Agreste, responsável por talhar visualmente o imaginário da história e cotidiano do povo nordestino e brasileiro. Encontramos conforto em seu legado, na sua grandeza e nas diversas oportunidades que tivemos de celebrá-lo ainda em vida”, declara a secretária de Cultura de Pernambuco, Cacau de Paula.

“É impossível pensar a identidade visual da cultura nordestina sem pensar no trabalho de J.Borges. Nomes de igual brilho, como Ariano Suassuna, perceberam isso desde cedo e não tinha como ser diferente. Em Pernambuco, não se anda muito longe sem se ver a influência visual e artística desse bezerrense pelas praças, muros, ruas e lares. Sentimos muito essa partida, mas seguiremos aqui, propagando seu legado como pudermos”, completa a presidente da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), Renata Borba.

Matuto esperto e comunicativo, o exímio talhador de madeira tem em seu currículo trabalhos relevantes ao lado de Ariano Suassuna, obras no acervo da Biblioteca Nacional de Washington e a edição comemorativa dos 400 anos do D. Quixote, de Miguel de Cervantes, com uma versão em cordel da referida novela de cavalaria.

No Agreste pernambucano, a cidade de Bezerros abriga seu espaço, o Memorial J.Borges onde o gravurista atuava, junto aos seus filhos e herdeiros de legado, e onde podem ser encontrados diversos exemplares das suas obras."

J. Borges e a arte da xilogravura

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